terça-feira, 29 de outubro de 2013

ainda a propósito da conferência na biblioteca de S. Lázaro em Lisboa, recebi hoje o melhor email de sempre...

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Só devia haver São Lázaro no Porto, num país decente
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A história é daquelas em que só acreditas por ta dizer minha, e conta-se rapidamente. Recebi um telefonema durante a semana em que me perguntava o meu pai se queria ir a Lisboa acompanhar a progenitura (que lá ia a um congresso) este fim de semana, ontem e hoje. Fui hesitando, se sim ou sopas, até que li que ias dar uma conferência à biblioteca de São Lázaro alfacinha, e então decidi-me. Que sim. Pensando, de resto, ser essa uma biblioteca que há muito queria conhecer, mas que apanhava sempre fechada, no Chiado. Resultado: vou descendo as Avenidas, a pé, cheio de tempo, parando nas bancas dos restauradores, divagando por ruelas que ainda não conheça, e chego ao Chiado pouco depois das quatro. Em vez de ir logo confirmar se a biblioteca é a que penso, como fazem as pessoas previdentes, detenho-me numa feira do livro ao ar livre numa ruela perpendicular à Garrett - faz-se sempre aos sábados, pelos vistos -, em que estão por exemplo a vender o que sobra da biblioteca do Urbano Tavares Rodrigues a 1€ cada peça. Com isso, dou-me conta de que passam já alguns minutos das cinco e bato na debandada possível (talvez 20 kgs em cada mão, pelo menos - mal me conseguia arrastar...) para o sítio que supunha certo, ou, melhor, que nunca supus poder ser incerto: quem desce do Chiado para a Câmara, ao fundo. Ao lá chegar, biblioteca nenhuma (nem com o largo suposto consegui atinar; muitos anos já sem ir a Lisboa em turismo). Voltar atrás, pedir informações, ninguém na rua - polícia, lojistas, transeuntes quaisquer - conhece biblioteca alguma. Respiro fundo, suspiro, que sim, que há. Uma muito simpática (mas lentinha...) funcionária da loja de Belas-Artes, tão solícita quão trenga (não estou a ser mal agradecido, era mesmo um exaspero de trenguice), lá me descobre por fim no Google que a biblioteca em questão fica numa tal Rua do Saco. Ver onde fica essa Rua do Saco. Lados dos Anjos, ou o que o valha: Penha de França, etc. (*) Porra, penso. O trengo sou eu. 20 kgs em cada mão, quase seis da tarde, conferência decerto a acabar quando chegasse, mesmo que de taxi...desistir. E lamentar-me pela nabice proverbial: nem conferência da Raquel, nem Barcelona-Real Madrid de que heroicamente abdicara para o efeito (só para teres uma ideia da tua importância relativa...), e, demais, ter de esperar ainda uma hora para o encontro que marcara também no Chiado. Menos mal que trouxe livros. Mas "porra" continua a ser le mot juste que me ocorre.
(A biblioteca que imaginava, se é que é a mesma, talvez seja a Camões. Antes, pela hora de almoço, conheci a central, no Palácio Galveias, em rebuliço pelo Doc Lisboa, com extensão lá, cheia de malta. Há na Lísbia quase tantas bibliotecas municipais - 11, parece-me - como mães).
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* (vejo agora que até aí a rapariga era trenga, e que afinal a morada ficava bem mais perto, para o Intendente)
Que tal (suspiro) correu a coisa?   

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Gonçalo Henrique | vinteesete.outubro.doismiletreze
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terça-feira, 22 de outubro de 2013

a história do livro infantojuvenil em portugal

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a biblioteca municipal de s. lázaro em lisboa é um espaço encantado que guarda tesouros indizíveis e está a fazer 130 anos. reúne uma maravilhosa colecção de livros para a infância e a juventude, desde a sua fundação, em 1883, como biblioteca da escola municipal nº 1, até aos dias de hoje, e mantém, a par de uma sala moderna, muito colorida e cheia de brincadeiras e tecnologias novas, a sala de leitura original, onde até as prateleiras parecem ter histórias para contar. é lá que nos podemos encontrar, no dia 26 de outubro, pelas 17h para falar um bocadinho da história do livro infanto-juvenil em portugal e de tudo quanto podemos aprender com os livros da colecção ‘memórias de outras infâncias’..

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quem puder e quiser vir conversar connosco será muito bem-vindo. 
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26.outubro.2013 - 17h
salão nobre da
biblioteca municipal de s. lázaro
rua do saco, 1
freguesia da pena
1169-107 lisboa
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o programa das comemorações dos 130 anos da biblioteca municipal de s. lázaro pode ser consultado aqui
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quinta-feira, 17 de outubro de 2013

livros estranhos #1 ou uma sugestão que pode vir a ser útil...

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hoje, na rubrica de livros estranhos...
Como Viver no seu Furgão e Adorar
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Bibliografia:
How to live in your van and love it
texto de G. Howard Poteet
edição de 1976

do mesmo autor, os títulos Starting up your own business: expert advice from the U.S. Small Business Administration, Workbench: guide to tape recording servicing, Complete illustrated guide to basic carpentry e Suicide.
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segunda-feira, 14 de outubro de 2013

o pêlo na venta



É consabido que as mulheres portuguesas têm pêlo na venta. Desgraçadamente, para algumas de nós, esta condição não é meramente metafórica, de maneiras que somos frequentemente obrigadas a ‘fazer o buço’. Isto que dizemos que fazemos e a forma como o dizemos é que sim, é uma coisa em tudo metafórica. ‘Fazer o buço’ é uma expressão retórica, parvamente bacoca, que procura não descrever o acto de arrancar, pela raiz, todo e qualquer pêlo que se nos cresça entre os lábios e o nariz, quase todos de uma assentada, através da aplicação e vigorosa remoção de um pedaço jeitoso de cera quente.

Estas coisas a que voluntariamente nos submetemos parecem, nuns dias mais que noutros, pouco melhores que pura barbárie e, quase todos os dias, simples estupidez. A verdade é que nos empurramos para tamanhas intervenções, por razões diferentes. Algumas simples e francas e, digamos, estéticas. Outras mais profundas e próximas da psicose e por isso, mais difíceis de erradicar, com ou sem cera.

Quando era miúda, havia um retrato de uma antepassada que me ilustrava as voltas da infância. Era uma daquelas imagens à antiga, de pose parada e sem sorriso, a preto, branco e cinza, de idade avançada, olhos tristes, cabelo dividido a meio e puxo na nuca. E, mesmo ao centro da composição, um bigode que fazia invocar a memória dos generais da Primeira República. Neste contexto visual falar em ‘buço’ seria ridículo, ao mesmo tempo que pensar na minha velhice, se torna pouco animador. E depois vieram os primeiros anos de catequese, acompanhados por uma senhora em tudo semelhante aos trolls dos contos infantis; unhas sempre sujas, pouca paciência para meninas que pensavam que a Nossa Senhora era uma princesa, e uma mancha cerrada de bigode a emoldurar um sorriso inexistente numa boca duvidosamente saudável.

Ficou-se-me esta crença de casar o bigode com o susto e hoje pouco ou nada haverá a fazer. Escrevo porque só agora percebi as larguras de paranóia entrançadas numa coisa que, de contrário, podia ser quase corriqueira. Entrançadas é, talvez, uma palavra mal escolhida mas o que se passa é que não tenho cera em casa e nem sempre calha tirar tempo e sair e ir a qualquer lado e esperar que lá estejam só à minha espera e mais nada.

Tudo começou com a ideia peregrina de comprar um creme descolorante, uma maravilha da ciência que estaria por descobrir nos tempos em que o retrato da minha antepassada foi tirado, emoldurado e pendurado na sala, no centro da parede, para eu e a posteridade a podermos ver vezes e vezes sem conta. Comprei o creme e trouxe-o para casa. Li as instruções e fiz tudo muito vagarosa e direitamente. Depois dir-se-ia que tinha ensopado a pele com aguardente para lhe chegar um fósforo aceso. A sensação de ter todo o lábio a arder não tem como ser explicada. Não sei se os vapores entraram nos olhos, mas houve lágrimas a fugir e cheguei a pensar que ficaria com o cabelo todo loiro, assim só, com o creme do bigode a ser inspirado pelo nariz e a sair nos poros por todo o lado. Juro que se estivesse numa sala fechada e às escuras, se conseguiria ver o meu ‘buço’ a latejar de fogo e de dor. Posto isto, e passados uns poucos segundos, limpei o creme e olhei para mim ao espelho. Tinha, efectivamente, os pelinhos descolorados, amarelecidos e brilhantes, sobre a pele encarniçada e o lábio desmesuradamente inchado.
Os sintomas de verdadeiro recalcamento chegaram logo a seguir, quando dei conta que o processo não tinha resultado em nenhum sossego. A capa incolor que fingia de disfarce não tinha efeito em mim. Eu sabia que eles lá estavam. E estava a incomodar-me que eles lá estivessem. Por isso, tive de os ir tirar, com cera e pela raiz. O tempo passa e o lábio ainda está a curar, com vagar e algum ressentimento. O que me preocupa são as outras coisas. As que ficam toda a vida penduradas no centro das paredes da memória e que, por mais que o tempo passe, não conseguimos curar.
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raquel patriarca | catorze.outubro.doismiletreze
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domingo, 13 de outubro de 2013

photo grafia LX

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"tótós, campo aberto e galochas vermelhas"
os componentes essenciais da infância feliz
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macieira de sarnes
milnovecentosesetentaeoito ou milnovecentosesetentaenove
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sábado, 12 de outubro de 2013

a minha mãe chama-se Conceição


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A minha mãe chama-se Conceição e o nome da minha mãe não é só um nome. É uma palavra de simplicidade nenhuma, com passados latinos e bíblicos, sons estranhos e compridos. É uma palavra de conceito muito largo com sentido de criação e começo, de ideias primordiais e possibilidades imensuráveis. A minha mãe Conceição é uma pessoa assim imensa. Muito larga de sentidos, primordialmente boa e incomensurável. Traz com ela a criação e o começo de todas as coisas, a possibilidade de todas as ideias e de todas as formas de as realizar. A minha mãe Conceição é o meu começo e o meu abrigo. O colo primitivo dos meus sentidos e ideias. Ela é o meu conceito de ser gente e de ser boa e serena e a vontade de ser assim em tudo. Assim como um começo, largo de sentidos e incomensurável de amor. Assim completa como a minha mãe Conceição.
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raquel patriarca | doze.outubro.doismiletreze
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sexta-feira, 11 de outubro de 2013

leituras e outras conversas: Irmão Lobo



Acabei de ler o livro Irmão Lobo há, pelo menos três meses. Tem estado, desde então, sossegadamente pousado na minha mesa-de-cabeceira. Em parte porque me estava a custar deixá-lo sair para o arrumar numa estante, onde ficaria sempre um pouco mais longe. Em parte porque queria escrever sobre ele e não sabia como.

O livro é muito muito bom. A história que conta prende-nos a atenção e chocalha-nos a consciência. E a forma como é contada carrega um equilíbrio admirável entre aquilo que são as confusões e o ensimesmamento próprios da juventude e a ausência de paternalismo e discurso pedagógico.

Como leitora e parte de uma faixa etária umas décadas à frente, este livro não me é destinado. Ainda assim, acabei por construir uma grande empatia com uma cachopa que é atirada para situações que não controla nem compreende, ou talvez compreenda mas não consegue assimilar completamente, que sofre desilusões e perdas que não sabe como sarar, ao mesmo tempo que se prende à crença de que um dia, crescendo, as coisas possam vir a fazer sentido.

Independentemente das décadas à frente, sinto-me, muitas vezes (muitas muitas vezes) atirada para imbróglios que não controlo nem compreendo, ou talvez compreenda mas não sei gerir. E pergunto, frequentemente, se as coisas alguma vez chegarão a fazer sentido.

Por agora Irmão Lobo continuará a morar na mesa-de-cabeceira. Um dia, eu crescendo, se verá. 
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Bibliografia:
Irmão Lobo 
texto de Carla Maia de Almeida | ilustração de António Jorge Gonçalves.
Carcavelos: Planeta Tangerina, 
2013.

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