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"um pátio das traseiras"
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a janela da minha cozinha, que é grande e tem portas de varanda, dá para as traseiras do prédio. para um pátio pequeno. desalinhado dos canteiros e um tanto sujo durante o dia, com uma luz de sépia romântica durante a noite. o pátio dá para a janela da cozinha de um vizinho de um prédio ali adiante com as traseiras dele voltadas para as minhas. não sei quem é, nem nunca o vi fora daquela atmosfera amarelada da cozinha, desfocado pelo efeito rugoso do vidro. não sou grande mestre na cozinha e perco mais tempo a decidir o que fazer do que propriamente a fazê-lo. fico um pedaço acima da metamorfose entre o cru e o bem passado, mas ainda muito abaixo da delícia profissional. não sei se é da magia que se perde pelo pátio ali desenhado no meio das nossas janelas, mas todos os dias me vou cozinhando na inveja que me faz o porte e a desenvoltura que tem aquele meu vizinho na cozinha dele. é feio observar assim as pessoas e a verdade é que, como não vejo quase nada, tenho de imaginar quase tudo e não estou de facto a invadir por aí além seja o que for. acontece que a dança de gestos e condimentos que vejo naquela cozinha – ou na minha cabeça, não tenho a certeza – é tão perfeita que chego a julgar que me cheiram melhor as coisas que faço eu, no meu fogão velhinho, do lado de cá do pátio .
r.p.
vinteequatro.janeiro.doismileonze
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