sexta-feira, 13 de março de 2015

cartas de viagem | pukara | perú

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sorriso no mercado de pukara - perú















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No caminho de Cusco para Puno fizemos três ou quatro paragens. Pareceu-me que em todas se escolhiam os lugares mais frios mas, penso agora, que era uma questão de altitude e que o frio era uma condição difícil de evitar. Em todas as paragens havia frio e um mercado. Mercados pequenos de meia dúzia de bancas e mulheres a vender louças ou coisas de tecidos coloridos aos turistas. E mercados imensos, próprios dos dias santos com feira e romaria, as bancas a preencher as ruas, num perder de vista de objectos incoerentes. Vendia-se de tudo. Estrelas-do-mar e ervas secas, panos e roupa, écrans lcd, peças de lã acabadas de tosquiar ainda sujas e a cheirar ao corpo que antes cobriam, pilhas eléctricas e peles de cobras enormes, santinhos de louça e deuses incas de madeira, coisas de comer e coisas de brincar. E as mulheres, que vendiam de tudo sentadas no chão e rodeadas de crianças tinham, elas próprias, o olhar das crianças. Gostei das tranças e dos chapéus, das peles morenas e das mãos fortes mas demorei-me muito nos olhos delas. Demorei-me a pensar nas razões da completude, da paz que se guarda por dentro e não se vê a não ser naquele olhar. E, todavia, aquele olhar não estava à venda. Tive pena.
 

in: diário de viagem: equador e perú | vol. 2, pp. 250-251
raquel patriarca | quinze.julho.doismiletreze
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quinta-feira, 12 de março de 2015

curtas # 11

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"Certa vez, eu estava sentada na praia do Macuti, na Beira, Moçambique quando reparei que as ondas traziam uma garrafa. Vinha rolhada, como se ninguém a tivesse aberto, mas lá dentro não trazia nada. Foi essa ausência de líquido que me chamou a atenção. Na altura, havia bidões de álcool metílico que davam à costa, dando origem a uma catástrofe sanitária muito especial. Por certo que esses dois factos não estavam relacionados, mas na minha ideia passaram a estar unidos. Foi assim que, decorridos alguns anos, eu escrevi A Costa dos Murmúrios. Afinal, dentro da garrafa que não trazia nada, vinha um livro. Antes do livro, vinha um mundo."
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 Lídia Jorge | in: Expresso | Única | vinteetrês.julho.doismileonze
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segunda-feira, 9 de março de 2015

a vida não é só livros... há também as bibliotecas #4

1564: Veneza, Itália
Biblioteca Marciana



A Biblioteca Nacional de S. Marcos, também conhecida como Biblioteca Marciana, funciona num edifício renascentista da Praça de S. Marcos. Tem a fachada voltada para o Palácio do Doge. Os tectos foram decorados pelos grandes artistas  da época e a iluminação era feita por trinta e oito lanternas de pé alto, dispostas como mesas numa sala de aula, sobre uma das maiores e melhores colecções de textos clássicos do mundo.
A biblioteca colecção começou a ser reunida em 1468 com a oferta, feita pelo Cardeal Bessarion, de um acervo de duzentos e cinquenta manuscritos e setecentos e cinquenta códices. A construção do edifício em si teve início quase um século depois, em 1537 e foi inaugurado em 1564. Em 1603 foi promulgada uma lei que obrigava que uma cópia de cada livro impresso em Veneza fosse entregue nesta biblioteca, segundo o princípio que hoje conhecemos como depósito legal.
Hoje, a biblioteca de S. Marcos tem mais de um milhão de livros, mais de treze mil manuscritos, mais de dois mil e oitocentos incunábulos e mais de vinte e quatro mil obras datadas do século XVI.
[ ... Suspiro longo...] 

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 imagens daqui e daqui

sexta-feira, 6 de março de 2015

cartas de viagem | copenhaga | dinamarca | 2

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hans christian andersen em copenhaga - dinamarca


















Ontem vi onde moravas e onde se diz que escrevias, assim na mesma forma silenciosa e abandonada com que eu agora o faço. E era por ali que nasciam as personagens a que chamavas pequenas mas que não eram pequenas, eram grandes como o tempo. Ainda são. Penso se também tinhas dúvidas em tudo. Nas ideias, nas palavras, nas vírgulas. Se escrevias assim de jaqueta e chapéu, a bengala ao lado, ou se trabalhavas em ceroulas e pantufas, uma manta nos ombros e a humidade do Øresund a magoar nos ossos. Dizem por aqui aos turistas que, se escutarmos cuidadosamente, é possível distinguir o som da tua pena a riscar veios de tinta no papel e sentir o som da tua voz a contar os contos que te são imortais. A ti e a todas as crianças. Não ouvi nada mas tenho para mim que te ouço o escrever e o contar há já muitos anos, em lugares onde nunca estiveste e, ainda assim, existes em muitas formas. É estranha esta circunstância de conhecer-te bem sem que saibas quem sou, e contudo, é verdade que em viagem se fazem as amizades mais incongruentes.

in: diário de viagem: dinamarca | pp.
raquel patriarca | quinze.fevereiro.doismilequinze
fotografia | Pedro Ribeiro 

quarta-feira, 4 de março de 2015

marcamos encontro com barata patarata e o escaravelho trolaró!

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é com muita alegria e alguma rapioquice que vimos, eu e a Martolita, apregoar que já andam por aí a barata patarata mais o escaravelho trolaró, amigos do peito da abelha zarelha e companhia limitada...
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vamos contar as suas histórias e partilhar as suas aventuras, no dia 14 de março, às 11.30h nas galerias lumiere na rua José Falcão, n. 157 no Porto e são todos muito bem vindos! também podem trazer os vossos pais... 

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vemo-nos por lá! zum-um zum-um zum-um!

cartas de viagem | copenhaga | dinamarca | 1

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den lille havfrue no porto de copenhaga - dinamarca

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Não era tão bonita como tinha lido. Também não era tão feia como me tinham dito. Suponho que não ajude o facto de, por estes dias, ter nome de detergente e de eu já me sentir tão longe de princesas ou fadas. Não as sei encontrar em mim e, muito menos, interpretá-las em contos ou em estátuas. E contudo, pareceu-me serena. Quase resignada. Assim, sem ansiedade nenhuma, ninguém à espera, nenhum lugar para onde ir. É enternecedor vê-la ali, só sentada e sem frio, despertencida do mar porque está na rocha e longe da terra que eu piso. O reino daquele príncipe que, como ela, é duvidoso que exista. Foi só um momento que estivemos juntas. Depois, eu segui caminho e ela ficou.

in: diário de viagem: dinamarca, pp.
raquel patriarca | dezasseis.fevereiro.doismilequinze