quarta-feira, 19 de maio de 2021

A Lenda da Matéria #4

 
CAPÍTULO 4
OS MESTRES DA MATÉRIA

Só quando se abriram as comportas do nosso vaivém, e sentimos na cara e nos cabelos o ar fresco que vinha lá de fora, percebemos como estávamos a abafar ali dentro. Saímos todos de uma vez só, encantados com tudo o que, à nossa volta, era tão diferente do que conhecíamos e, ao mesmo tempo, estranhamente acolhedor.
O Filipe, que às vezes se parece com o gato que tem em casa, deitou-se no chão e enterrou o nariz naquela espécie de ervinha azulada que cobria tudo.
– Hummm! Cheira a morangos e às flores das laranjeiras…
A Joana e a Teresa, que não largavam a mão uma da outra, iam dando uns passos em redor. A Teresa a tentar ver tudo ao mesmo tempo, e a Joana a sacar selfies como se não houvesse amanhã, com o telemóvel que nem era dela.
Eu, confesso, estava bastante perturbado com aquela poeirinha brilhante que voava à nossa volta. Uma coisa impossível de definir. Seria, talvez, só luz, se a luz tivesse substância de se agarrar.
Estendi a mão com muito vagar para esses grãos de luz que tão depressa se mostravam como, a seguir, pareciam confundir-se no ambiente alaranjado do céu.
– Onde raio viemos nós parar? – pensei.
– Ó Filipe, pá, o que é que tu estás a fazer?
A voz da Joana fez-me voltar a cabeça. O Filipe corria em direcção às poeiras de luz, com a cabeça atirada para trás, a boca muito aberta e a língua de fora.
– Estava a tentar perceber a que sabem os brilhinhos…
– Não te afastes muito – disse eu. E, antes mesmo de acabar a frase fui eu que fiquei de boca aberta.
Uns passos à minha frente, formou-se um grande remoinho daquelas partículas luminosas que me pareciam cada vez menos poeira, e cada vez mais outra coisa qualquer. As poeiras juntaram-se mais e mais umas às outras e, quando a ponta do remoinho tocou no chão, apareceu na minha frente, como se tudo fosse magia, uma rapariga em tudo parecida connosco. Tal e qual como se fosse uma colega da nossa escola.
Ficámos sem movimento. Só se ouvia a nossa respiração aflita. Depois, aconteceu a coisa mais mágica de todas, que desmanchou a aflição e afastou todo o receio.
A rapariga sorriu.
– Olá! – disse-lhe eu, e abanei a mão porque tinha a certeza de que ela não percebia o que lhe dizia.
– Olá! – respondeu ela, como se fossemos velhos amigos. – Vieram passear até ao nosso planeta? Qua boa ideia!
– Como é que tu falas como nós? – perguntou a Teresa. ­– Tu és uma extraterrestre.
A rapariga voltou a sorrir.
– Bem, talvez. Eu sou extraterrestre porque não sou do vosso planeta Terra, mas para nós, os extraterrestres são vocês!
O Filipe soltou uma gargalhada e, como o riso é contagioso, começámos todos a rir. E rimos e rimos até nos virem as lágrimas aos olhos. Quando já estávamos recompostos, ainda se ouviam umas gargalhadas meio nervosas que não sabíamos de onde vinham. Depois, as gargalhadas passaram a soluços e, por fim, com um som que pareceu um grão de milho a transformar-se numa pipoca, apareceu ao lado da rapariga um pequeno rapaz, muito rechonchudo e corado.
– O meu nome é Arya, e este é o meu irmão Box. Sejam bem-vindos ao planeta Oculto. É um prazer receber-vos cá.
– Os meus amigos tratam-me por Alex, – disse eu enquanto ia em direcção a ela de mão estendida para a cumprimentar. – Estes são o Filipe, a Teresa e a Joana.
– Boorrpuff!
Voltámos a parar os quatro, como que congelados a meio do caminho. O pequeno Box tinha acabado de se desfazer uma imensa poça de água cor de mel, e nós nem sabíamos o que pensar, quanto mais o que fazer.
– Não lhe liguem, – disse a Arya descontraidamente. – O meu irmão fica muito ansioso com as novidades e perde o controlo da matéria.
– O controlo da matéria? – Eu estava muito confuso.
– Sim, o controlo da matéria. Nós os ocultianos somos descendentes dos antigos mestres da matéria. Trocamos a nossa substância com a da natureza à nossa volta. Podemos tomar a forma que quisermos.
– Estou a ver, estou a ver – disse o Filipe enquanto víamos reaparecer o Box, na forma de uma árvore roliça que parecia crescer a partir da água.
– Isso deve dar imenso jeito! – disse a Joana. – E quando queres viajar, voltas àquela nuvem de luz e voas com o vento?
– É mais ou menos isso, sim. – respondeu Arya, enquanto ajudava o irmão a voltar à forma de rapaz, como se tudo aquilo fosse muito natural. – Vocês na Terra não trocam a substância com a natureza?
– Não trocamos, não. Nem temos ideia de como é que isso se faz. – disse a Teresa, sem esconder a pena que tinha.
– Não acredito que não saibam, – disse a Arya – de certeza que esse conhecimento está só esquecido.
Ela parecia tão segura que nós começámos a acreditar.

ilustrações da Turma 113 do 4º ano da Escola Básica de Margaride


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