sexta-feira, 13 de junho de 2008

não é preciso ser maluco... mas ajuda

no outro dia fui tratar das démarches necessárias à renovação do meu bilhete de identidade. devo reconhecer que o processo está bastante mais simples e rápido que há uns anos atrás, mas verdade seja dita, um dos piores problemas da nossa sociedade continua a inquinar as relações, mesmo breves, que se estabelecem entre nós e as pessoas que estão do outro lado do balcão. eu não gosto de estereótipos ou de descrever um conjunto de pessoas com base nos defeitos de uma ou duas… vá lá, de uma dúzia, mas a loja do cidadão dá-me vontade de cortar os pulsos.
um dos dramas mais graves relacionados com a renovação de documentos é, está bom de ver, a fotografia. certamente que não sou a única pessoa no mundo que se sente extremamente incómoda quando tem de se deixar fotografar, e que perde qualquer réstia de amor próprio quando olha para uma fotografia sua. quantos de nós pensamos, enquanto pela janela do carro entregamos com as mãos trémulas os documentos ao Sr. Agente, …ai ai. agora é que é. ele vai olhar para aquela fotografia e vai já pensar que eu sou psicopata, sem respeito pela autoridade e com tendências homicidas…?
como tirar fotografias é a pior parte, alguém decidiu tornar todo o processo ainda mais doloroso. estão neste momento em vigor um conjunto de normas para as fotografias de documentos cuja pertinência é fácil de compreender… “a cores, fundo liso, tipo passe, sem óculos escuros, obtidas há menos de um ano e com boas condições de identificação (por boas condições de identificação tem sido entendido o rosto e cabelo descobertos)”. até aqui porreira da vida. mas alguém decidiu, e não acuso ninguém em especial, que havia de se complicar a coisa. e lá estava eu a olhar para a senhora do balcão do arquivo de identificação, enquanto ela debitava uma interminável lista de regras inacreditavelmente detalhadas. ao fim de uns segundos eu simplesmente desliguei, deixei de prestar atenção, e a voz da senhora passou a soar como a da professora do Charlie Brown. mas de repente, do meio daquele som nasalado e ininteligível, saiu uma frase que me fez acordar: …a fotografia deve ser tirada sob fundo claro, com o rosto de frente de maneira a apanhar as duas orelhas…
atirei a cabeça para trás e desatei a rir desbragadamente! pois que podia fazer, eu que fui conhecida durante toda a juventude como “a bolacha”, senão rir à gargalhada! ó minha senhora – saíu-me logo – a mim para me apanharem as duas orelhas, só com uma máquina fotográfica montada num satélite! e ri-me mais um bocado. depois lá consegui controlar a risota e limpar as lágrimas. a senhora estava à minha frente, impávida, com uma sobrancelha ligeiramente mais erguida que a outra, como quem está a olhar para um extra-terrestre. e lá está, um dos grandes males da nossa sociedade é a absoluta ausência de sentido de humor entre certas e determinadas classes profissionais.
moral da história… acho que não tem. eu meti a viola ao saco, fiz o que a senhora me mandou e fui para casa esperar pelo bilhete de identidade novo com uma fotografia hedionda segundo o que ditam as regras. ela ficou inalterada, a carimbar papéis como se não houvesse amanhã e a pensar se será o stress que põe as pessoas todas maluquinhas e a dizer parvoíces sem nexo nenhum.
mas eu, pelo menos, consolei-me a rir…
b. b. booker
junho de 2008