terça-feira, 30 de setembro de 2008

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

ethos

- she is absolutely gorgeous – I said, the envy ill hidden in my voice.
- yes… well… she lacks ethos - he answered.

“fine, I’m all about ethos. and by ethos I mean - without having to look it up - heart, essence, core, character, feeling and soul”. it all whirled through my head, and I looked at him as he kipped his eyes on her beautiful ethos free face.
r. bewusstsein
setembro de 2008

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

beiral


no verão do ano em que fiz dez anos, aprendi algumas das lições mais importantes da minha existência. aprendi a amizade. aprendi a ser cúmplice na asneira e leal no castigo, completa na confissão e inviolável no segredo. aprendi o conforto do sorriso e a indignidade da agressão, a fragilidade de cada um e a força do grupo, a alegria da brincadeira e a satisfação do trabalho. aprendi a virtude da ternura, a tristeza da solidão e a intimidade do silêncio.
no verão do ano em que fiz dez anos passei um mês na serra em casa da avó e fui, todos os dias e muitas noites, juntar-me ao grupo de desamparados do orfanato local onde crianças como eu, da minha idade, pouco mais velhas ou pouco mais novas, me aceitaram como igual. comemos na mesma mesa, dormimos na mesma camarata, voámos nos mesmos baloiços, calcorreámos os mesmos caminhos, cumprimos as mesmas tarefas, saltmos os mesmos penedos, subimos as mesmas árvores, rezámos as mesmas orações.
nunca mais voltei a encontrar nenhuma das crianças com quem passei aquele verão. gostava de lhes dizer que foram os amigos mais maravilhosos que se pode desejar. que vivem ainda intactos e perfeitos na minha memória. que me ensinaram as lições de vida mais valiosas e que foi um privilégio tê-los conhecido a todos.
setembro de 2008
b. b. booker

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

o gafanhoto do sorriso maroto

era uma vez...
um lindo gafanhoto,
bochechas verde-cinza
e um sorriso maroto.

este lindo bicharoco
(de nome Joaquim),
vive por baixo de um ramo
de cheiroso alecrim.

o que faz do Joaquim
um bicho especial
é ser sempre tão alegre,
simpático e jovial.

um dia, alguém lhe perguntou:
“oh Joaquim, porque és tão feliz?”
e ele a sorrir respondeu:
“porque o sol brilha nos teus olhos no momento em que sorris!”

texto b. pecorabuona, março de 2008
ilustração rute p., setembro de 2008

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

o mar


"a chegada do mar"
praia da apúlia
m. artmaker
agosto de 2008


espero a chegada do mar.
espero que venha por mim e que fique, livre da lua, do tempo e do movimento das marés. espero que me lave a alma, que me faça naufragar no esquecimento do mundo, que me dispa de pecados e culpas. espero a chegada do mar como se fosse o pôr-do-sol da minha infância, a madrugada da minha maturidade. espero a chegada do mar que traz em si o amor e a vida, que nascem em mim em laivos de fogo e de céu. espero a chegada do mar que me vem abraçar e que, no entrecortar da respiração, apaga a tristeza e desfaz a solidão. quero ser a terra do seu leito e o céu do seu horizonte, mas sou ainda a desfigura nublada que na margem se mantém presa à rocha e exposta ao vento, onde espero a chegada do mar.
ao mar
b. pecorabuona
setembro.doismileoito

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

a história do avô que nasceu na selva amazónica


Era uma vez um dia de Outono, triste, cinzento e com aquele frio húmido que faz doer os ossos. Um menino de quatro anos, de joelhos numa cadeira e nariz encostado ao vidro, espreitava pela janela. Não foi à escolinha porque estava doente e não lhe apetecia brincar porque lhe doíam os ouvidinhos e a garganta.
De mansinho, quase sem fazer barulho nenhum, o avô chegou e pousou-lhe a mão no ombro.
– Estás bem, querido? Queres alguma coisa? – perguntou.
– Estou bem avô. ­– Respondeu o menino que falava muito bem. – Estou só caidito…
O avô enterneceu-se. Pegou no menino ao colo, deu-lhe um abraço apertado e um beijinho na bochechinha corada e quente dos restitos da febre.
– Anda cá. Vou contar-te uma história. Uma história fantástica!
O avô sentou-se no cadeirão, pertinho da lareira e o menino aconchegou-se bem no seu colo, com as pontinhas dos pés fez deslizar as pantufas dos calcanhares e enterrou os pés entre a perna do avô e a almofada. Depois abriu muito os olhitos e ficou à espera.
– Vou contar-te a história da minha infância. Tu não sabes, mas eu nasci no meio de uma floresta.
– Numa floresta, avô? – perguntou a criança subitamente iluminada de curiosidade.
– Isso mesmo, filho. Numa floresta. – respondeu o avô, muito solene. – E não foi numa floresta qualquer; foi na floresta amazónica.
– A sério avô? – diz o menino fascinado.
– A sério! Nasci na floresta amazónica muito, muito longe daqui, mesmo aos pés de uma árvore, acho que era um eucalipto ou então uma goiaba brava. Já foi há muito tempo.
– Oh avô, – pergunta o menino – Na Amazónia há eucaliptos?
– Claro que sim! – responde prontamente o avô. – A floresta amazónica é o último sítio do mundo onde existem todas as espécies de árvores.
– Ahhhh! – exclama acriança – Deve ser muito grande!
– Pois é! – continua o avô – Grande e bonito! E foi aí mesmo que eu nasci ali. Junto à raiz de uma árvore, mesmo ao lado de um ninho de cobras venenosas.
– Venenosas, avô? – pergunta o menino, tremendo com um arrepio e apertando o braço do avô entre as suas mãozitas pequeninas – E não tiveste medo?
– Não, não tive medo porque houve uma tribo de índios da Amazónia que tratou de mim, e me criou até eu ser grande.
– Oh avô, – interrompe a criança, – o que é uma tribo?
– Boa pergunta! – sorri o avô. – Uma tribo é um grupo de pessoas que vivem mais ou menos juntas, e que trabalham e partilham as coisas que têm e se encarregam do bem-estar umas das outras. – tenta explicar.
– Como uma família? – pergunta o menino.
– Exactamente! – responde o avô.
– E tu quando eras pequenino viveste com essa família chamada Tribo? Na Amazónia?
– Isso mesmo. Durante muitos anos, vivi com os índios da floresta. Aprendi a caçar e a cozinhar a carne, e a lutar com animais selvagens quando era preciso proteger o nosso espaço.
– E alguma vez lutaste com um animal selvagem avô? – quis saber a criança, rendida de fascínio e antecipação.
– Oh sim! Muitas vezes! – contou o avô, fechando os olhos como quem está a lembrar. – Uma vez lutei com um leão, mas não o magoei muito, só o suficiente para ele se ir embora. Porque os índios da floresta amazónica ensinaram-me que devemos ser amigos de todos os animais.
– Mesmo dos maus? – pergunta o neto.
– Claro, filhinho. – diz o avô – Aqueles animais a que chamas de maus, só são maus às vezes, quando têm fome ou se sentem ameaçados, percebes?
– Sim, avô.
– Houve outra vez que uma enormíssima cobra vinha por entre os arbustos junto à terra, decidida a comer um passarito que costumava vir cantar de manhã, perto da minha cabana.
– E depois?
– Depois fiquei zangado porque gostava muito do passarito e não queria que nenhum animal lhe fizesse mal. Tive de lá ir a correr, agarrei na cobra com as duas mãos e zás, dei-lhe uma dentada!
– A sério, avô? – pergunta o menino.
– Mesmo a sério! – assegura o avô – uma enorme dentada na pele escamosa das costas.
– E não te fez impressão?
– Fez um bocadinho, é verdade. As cobras são muito frias e viscosas. Há outros animais mais simpáticos e agradáveis de tocar… como o meu amigo elefante bebé.
– Tu tinhas um amigo elefante bebé?
– Tinha pois. Ficamos amigos no dia em que eu o salvei de uma matilha de hipopótamos.
– Uma matilha de hipopótamos – pergunta o menino assombrado.
– Isso mesmo! – explica o avô – Vinham todos por ali abaixo a correr e iam passar por cima do pobre elefante bebé.
– E tu salvaste-o? – diz a criança num misto de admiração e orgulho. – Tu sozinho!
– Eu mesmo! – responde o avô todo inchado. – Desde esse dia fomos os melhores amigos. Ele levava-me a passear sentado no seu pescoço, sacudia-me as moscas com as grandes orelhas e eu fazia-lhe festinhas no pêlo macio. Andávamos juntos para todo o lado.
– Deve ser bom ter um amigo elefante! – exclama o menino.
– É sim senhor – concorda o avô. – É muito bom. Não há nada no mundo tão bom como os amigos!
– Tinhas mais amigos, avô? – pergunta o neto, muito interessado.
– Oh sim! Tinha muitos amigos. Mas há sempre alguns especiais. Aqueles que estão sempre a nosso lado, que nos conhecem os segredos e nos aceitam assim, tal e qual como nós somos. Desses amigos que são quase irmãos eu tinha dois. Um era o elefante, que tu já conheces, o outro era um cão-crodilo.
– Um cão-crodilo? – pergunta a criança incrédula.
– Sim, um cão-crodilo. É uma espécie muito rara. É como um crocodilo mas especialmente fiel e dedicado aos amigos. E queres saber o que era mais engraçado? – Perguntou o avô.
– Quero! – respondeu prontamente o neto.
– Ele abanava a cauda para dizer “Olá” de cada vez que nos encontrávamos!
O menino atirou a cabeça para trás deu uma daquelas gargalhadas límpidas e luminosas que só as crianças sabem dar. Abraçou o avô pelo pescoço, e disse-lhe quase ao ouvido:
– Avô, tu contas as melhores histórias do mundo!
O avô também sorriu e devolveu o abraço.
– Vá, agora vamos ao lanche que a mamã deve estar quase a chegar para te levar para casa.
E lá foram os dois, recordar detalhes da história e acrescentar outros novos, entre dentadas de pão de lenha e goles de leite com chocolate.
Mais tarde, como combinado, a mãe chegou. Deliciada viu o filho, sorridente e de olhos brilhantes, correr para si de braços abertos.
– Mãe! – diz a criança – Hoje aprendi uma coisa muito importante! Queres que te conte?
– Claro, amor! – responde a mãe – Quero que me contes tudo!
– Sabes, todas as pessoas têm amigos. E alguns desses amigos são muito especiais. – Explica o menino, abanando a cabeça para melhor se fazer entender. – Conversam muito e quando estão tristes dão as mãos e quando estão contentes brincam juntos. – Continua a criança fazendo gestos com as mãozitas e abrindo muito os olhos. – Percebes?
– Sim, amor. Claro que percebo. – Responde a mãe. – E tu também hás-de ter amigos assim especiais, meu querido.
– Eu já tenho, mãe! – Diz o menino, virando a cabecita e sorrindo para o avô, que lhe pisca o olho em resposta.
b. b. booker
setembro de 2008

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

lembras-te?

lembras-te daquela vez, na serra da Freita, em que estávamos completamente perdidos no meio do monte, a subir e descer por caminhos por onde nem o Diabo andou, entre um barranco e uma falésia, com fios de água a escorrer no xisto e na ardósia que pisávamos? lembras-te de que vimos uma cobra num muro de pedras daqueles que já serviram para dividir terras sabe-se lá de quem, para cultivar sabe-se lá o quê, e que tive que passar ao largo, com as pernas a tremer e os cabelos em pé? lembras-te de como estávamos aflitos, de como olhávamos para a carta topográfica de antes da Primeira Guerra, à procura de pontos de referência que já não existiam? lembras-te de como tinha a mochila velha e rota e de como um dos ferros já se me espetava no fundo das costas, do lado direito? lembras-te das vertigens, do suor, do cansaço, do frio, da vontade de chegar a casa?
deste-me a mão, lembras-te?
b. b. booker
setembro de 2008