segunda-feira, 25 de maio de 2009

photo grafia XXV


"formas alternativas de arte"
casa de ló - travessa de cedofeita, nº 20 - porto

raquel patriarca
sete.maio.doismilenove

quarta-feira, 20 de maio de 2009

dicionário do diabo

nunca pensei que fosse possível ler um dicionário, literalmente, de a a z... não só não pensei que fosse possível como pensei convictamente que fosse impossível. e claro, estava enganada nas duas opiniões… que são a mesma opinião postulada de duas formas diferentes o que vem a dar uma opinião apenas.
... pois.
opiniões à parte, peguei no dicionário de uma estante da livraria por mera curiosidade, afeiçoei-me ao objecto que me cabia bem nas mãos e me fez sorrir em algumas poucas passagens que li. tive pena de o largar outra vez e acabei por trazê-lo comigo para casa. pousei-o na secretária e uma noite levei-o para cima, para a mesa de cabeceira. nessa noite não dormi e a culpa foi dele… quando cheguei ao m já eram quatro da manhã e tive de o pousar e pegar noutro livro. no dia seguinte saiu comigo de casa e andou a passear na mochila entre uma ou outra espreitadela: n, o, p… o p foi uma das minhas letras favoritas. enquanto fiz o jantar percorri as consoantes até ao u. antes da hora de deitar já tinha consumido o triunvirato v, x e z, o posfácio, as notas finais e restantes apontamentos em letras pequeninas.
é um dos livros mais surpreendentes e mentalmente estimulantes que já li. mergulha sem rede no mais puro da natureza humana. é irónico e verdadeiro, pertinente e universal, profundo e bem disposto.
repousa agora na estante dos notáveis, a lombada ao alcance dos olhos e da mão. deixo alguns excertos em jeito de cócegas cuja comichão se espera insustentável. a solução é ler – como eu fiz – o dicionário de a a z.
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ar, n. - substância nutritiva fornecida para engorda dos pobres por uma providência caridosa.
beladona, n. - em italiano, mulher bela; em português, um veneno mortal. um exemplo assinalável da semelhança entre estas duas línguas.
cínico, n. - um malandro cuja visão deficiente lhe apresenta as coisas como elas são, não como deviam ser.
dicionário, n. - dispositivo literário malévolo para impedir o crescimento da língua e para a tornar rígida e pouco flexível. este dicionário, no entanto, é uma obra muito útil.
economia, n. - adquirir o barril de uísque que não é necessário pelo preço da vaca que não se tem dinheiro para comprar.
, n. - crença, não baseada em provas, no que é contado por alguém que fala sem conhecimento de coisas sem paralelo.
gentileza, n. - breve prefácio a dez volumes de exigências.
história, n. - um relato geralmente falso de acontecimentos geralmente fúteis, contados por governantes geralmente velhacos e soldados geralmente tolos.
idiota, n. - membro de uma tribo grande e poderosa, que tem exercido uma influência dominante e controladora sobre os assuntos humanos. a actividade do idiota não se encontra confinada a uma área especial do pensamento ou da acção, mas atravessa e regula o todo.
justiça, n. - uma mercadoria que o estado vende aos cidadãos, em condições mais ou menos adulteradas, como retribuição pela sua obediência, pelos seus impostos e serviços pessoais.
liberdade, n. - um dos bens mais valiosos da imaginação.
mulher, n. - animal que vive habitualmente nas proximidades do homem e que é pouco susceptível à domesticação. das espécies predadoras esta é a mais amplamente disseminada, infestando todas as partes habitáveis do mundo, desde as graciosas montanhas da gronelândia à virtuosa costa da índia. a mulher é ágil e elegante nos seus movimentos, omnívora, e pode ser ensinada a não falar.
nepotismo, n. - nomear a própria avó para um cargo público, pelo bem do partido.
observatório, n. - sítio onde os astrónomos fazem conjecturas que invalidam os palpites dos seus antecessores.
poema, n. - amor – desejo – calor – beijo. é este tipo de coisas assim, este lixo miserável que nos faz gritar “basta! já chega!”, e usar frequentemente um grande e sonoro ____-__.
querida, n. - a chata do sexo oposto, numa fase inicial do seu desenvolvimento.
reflexão, n. - uma acção da mente, através da qual obtemos uma visão mais lúcida da nossa relação com as coisas passadas, ficando assim mais preparados para evitar os perigos que não voltaremos a encontrar.
santo, n. - um pecador morto, revisto e editado.
táxi, n. - veículo assustador no qual um pirata nos conduz aos solavancos por caminhos dúbios até ao sítio errado, para então nos assaltar.
ultimato, n. - uma última exigência antes de se recorrer a concessões.
vida, n. - uma espécie de salmoura espiritual que conserva o corpo, protegendo-o da decadência. vivemos constantemente com medo de a perder; e, no entanto, ninguém sente a sua falta quando a perde.
x, - sendo uma letra pouco necessária no nosso alfabeto, possui uma invencibilidade acrescida relativamente aos ataques reformadores da ortografia e, tal como eles, viverá tanto quanto a própria linguagem.
zelo, n. - um desarranjo de origem nervosa que atinge os novos e inexperientes. um entusiasmo que antecede um espalhanço.
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[dicionário do diabo / ambrose guinnett bierce, 1842-1914 ; selecção e tradução de rui lopes ; prefácio de pedro mexia ; ilustrações de ralph steadman. – lisboa : tinda-da-china, 2006. – 175, [1] p. : il. ; 19 cm. – isbn 972-8955-02-2.]
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raquel patriarca
vinte.maio.doismilenove

segunda-feira, 18 de maio de 2009

photo grafia XXIV

"nature's way"
canto do telheiro - casa grande carlota - lugar do casal de cima - terras do bouro
raquel patriarca
dois.maio.doismilenove

terça-feira, 12 de maio de 2009

a herança

capítulo primeiro
uma caixa
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era uma vez uma caixa, muito bem guardada numa velha arca de madeira de cânfora. não era uma caixa qualquer. era uma caixa muito especial. à primeira vista, para um olhar pouco atento ou desentendido, podia parecer uma vulgar caixa de papelão. uma caixa velha como todas as outras caixas velhas.
a verdade era bem diferente.
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pouco colorida, suja ou esfumada entre os cinzentos e os castanhos, tinha uma natureza discreta e serena. há já muito tempo alguém a tinha coberto de palavras recortadas em jornais, livros, revistas, sebentas de escola, cadernos de merceeiro e toda a sorte de papéis escritos.
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a base era um quadrado perfeito, equilibrado e estável. de cada canto partiam linhas direitas e firmes, arestas bem definidas que serviam de moldura às suas quatro faces gémeas.
a tampa, que encaixava como uma coroa na cabeça de um monarca honrado e justo, era simples, elegante e tinha as abas reforçadas a couro, como as cantoneiras de um livro antigo. exactamente no meio da face superior da tampa estava colado um pedaço de papel, amarelado e com os cantos recortados, onde letras manuscritas que traziam imagens de outro tempo, desenhavam uma única palavra:
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pedro
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a tinta, já meio comida, inspirava memórias do tempo em que vivam na terra os grandes heróis. o pequeno rapaz passava muitas vezes os dedos sobre as letras como se fossem mágicas. ainda era um menino e nem sequer sabia ler ou escrever, mas reconhecia naquela palavra os desenhos que davam corpo ao seu nome. depois, sem nunca a abrir, pegava na caixa que mal lhe cabia nas mãozinhas e, com todo o cuidado, levava-a para o seu esconderijo secreto.
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mesmo na sua pouca idade tinha a consciência que dentro daquela caixa repousavam os tesouros mais preciosos que um menino pode ter e guardar.
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raquel patriarca
doze.maio.doismilenove

segunda-feira, 11 de maio de 2009

a conversa

.ontem tive uma conversa contigo. eu disse tudo o que pensava e sentia. fui sempre clara e coerente… nem parecia eu. tu reagiste exactamente como eu esperava. mostraste estranheza em alguns momentos e empatia noutros mas compreendeste a densidade de tudo: a fragilidade das minhas certezas, a força das minhas dúvidas, o significado dos meus silêncios. falámos de tudo e de nada. a cumplicidade envolveu todas as diferenças e a realidade foi tomando forma só na união das nossas palavras.
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depois, já muito tarde, tu chegaste e vieste deitar-te. abracei-te e tentei, com o calor do meu corpo, apagar o mundo de distâncias que existe entre nós e que todos os dias se alimenta de ausências e coisas que ficam por dizer.
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amanhã, pensei, talvez amanhã.

.raquel patriarca
onze.maio.doismilenove

quinta-feira, 7 de maio de 2009

o dia do passeio da escola

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era uma vez o quadrado de um dia,
onde, a meio do calendário, se lia:
“hoje é o dia do passeio da escola
pôr o lanche e o chapéu dentro da sacola”.
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foi a única manhã - no ano escolar inteiro -
que saí sozinho da cama... e fui eu o primeiro.
e lá fomos nós, todos contentes e ansiosos
conhecer coisas novas e lugares maravilhosos.
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entre mil gargalhadas, saltos e corridas,
brincadeiras tolas, novidades e cantigas,
museus, jardins zoológicos, planetários e castelos,
e parques de merendas com guarda-sóis amarelos,
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vivi coisas que vou, para sempre, recordar
e, tenho pena, mas não as posso agora contar -
porque este longo dia tão lindo e tão diferente -
acaba comigo a dormir com o prato de sopa na frente.
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raquel patriarca
sete.maio.doismilenove

quarta-feira, 6 de maio de 2009

photo grafia XXIII

"self made clown"
"se me vires cantando, canta comigo. se me vires chorando, sorri."
gabriel, o pensador em tás a ver
raquel patriarca
trinta.março.doismilenove

segunda-feira, 4 de maio de 2009

photo grafia XXII

"fora de casa"
casa grande da carlota - lugar do casal de cima - terras do bouro
raquel patriarca
dois.maio.doismilenove

photo grafia XXI

"santinha!"
edifício em aparente ruína - rua da misericórdia – encarnação – lisboa.
raquel patriarca
vinteeoito.abril.doismilenove