quinta-feira, 22 de abril de 2010

yo tambien soy Garzón

"há um telhado onde o vento vem chorar"
poema de juan kruz igerabide - uma página do meu caderno


afilado es el tejado de mi casa;
llora el viento
llora cuando pasa.
______________Juan Kruz Igerabide


este poema, escrito originalmente em basco e aqui traduzido para castelhano, fala de um telhado como a única parte de uma casa que se avista de muito longe. fala do olhar de uma criança que perdeu a casa no dia em a falange lhe levou os pais. fala de um homem adulto preso na memória de um telhado pousado na linha do horizonte, onde o vento vem intencionalmente chorar. e fala de vidas e de verdades que nem o vento pode esquecer.

raquel patrairca
vinteedois.abril.doismiledez

segunda-feira, 19 de abril de 2010

estrelas, planetas, plutóides e outras esferas do espaço - história redonda e achatada nos pólos... capítulo dois

Olhou em redor e ficou maravilhado! O Sol, magnífico e luminoso, espreguiçava salpicos de fogo em todas as direcções. O menino sentiu-se quentinho por dentro e deixou-se ali ficar. À volta do Sol saltitava e saracoteava um pequeno astro a quem chamam Mercúrio, que é nome de remédio para pôr em joelhos esfolados. O menino percebeu logo a razão daquele nome: a pequena esfera saltava tanto e tão depressa que de certeza, de vez em quando, caía e se magoava.
Um bocadinho mais atrás, muito serena e elegante, flutuava a esfera de nome Vénus. Era muito bonita. Tinha uns olhos doces e profundos com pestanas longas e umas bochechas pequeninas e coradas. Sorriu timidamente ao menino e ele sentiu um esquisito calor na cara… devia ser do Sol. Disse-lhe adeus com a mãozita, virou as costas ao Sol e seguiu caminho.
O menino viajava pelo espaço como se estivesse a dançar suspenso no vazio. Ora andava muito descontraído como se passeasse no parque, ora se deitava de barriga para cima e batia os braços e os pés como se estivesse a nadar na praia. E às vezes, só para brincar, fazia de conta que pedalava na sua bicicleta.
Passado algum tempo encontrou uma esfera enorme, entre o vermelho e a cor do fogo, que tinha um ar muito simpático mas um bocadinho nervoso, e estava sempre a piscar os olhos e a fazer as caras mais cómicas que o menino já tinha visto.
– Olá! – Disse o menino – És tu aquele a quem chamam Plutão?
– Olá! – Respondeu a esfera – Eu chamo-me Marte. O Plutão é o último de todos, lá ao fundo onde está frio e escuro. Eu levava-te lá mas não me posso desviar do meu caminho... Já assim se diz por aí que sou um excêntrico! Achas que consegues ir sozinho? – Claro que sim! – Disse o menino. – Muito brigado. – Acrescentou enquanto dizia adeus a Marte que lhe sorria sempre a piscar os olhos.
O menino continuou a sua viagem e encontrou mais esferas. Júpiter era tão grande, mas tão grande que o menino nem conseguiu ver-lhe toda a cara. Viu só um olho risonho e uma bochecha gorducha. Estava muito entretido a cantar para si próprio enquanto orbitava e o menino não o quis interromper. A esfera chamada Saturno ria à gargalhada tão alto que fazia tremer as suas nove luas e tremeluzir as estrelas que estavam por ali perto. O menino percebeu depois que ela tinha uma multidão de pedras, pedrinhas e pedregulhos a girar à sua volta que lhe faziam muitas cócegas.
Um bocadinho mais à frente viviam mais duas esferas, Neptuno e Urano, um pouco mais pequenas, redondas e perfeitas, como dois lindos olhos azuis, que espreitavam do meio do escuro e, com carinho, lhe indicavam o caminho para Plutão.

raquel patriarca
três.março.doismilenove

quinta-feira, 8 de abril de 2010

terra sem palavras e palavras sem terra


ontem fui ao teatro e gostei muito muito. o cenário estava muito bonito, os "jogos de luz" criaram efeitos magníficos e a banda sonora foi muito bem conseguida. a performance foi excelente... o texto era profundo, cheio de reflexões e conflitos importantes… internas e não só.
partilhamos, ali sentados, a angústia de uma... pintora que não consegue pintar, ou consegue mas não quer pintar aquilo que lhe enche a alma, depois de ter passado algum tempo numa cidade devastada pela guerra e de ter testemunhado os horrores e as incongruências surreais características desses cenários.
e ela – a artista – rodeada de amargura e destruição, procura uma saída deste estado de alma. deste estado de consciência do mundo. invadida de vermelho e castanho e preto, procura o branco para pintar. procura a luz e a felicidade, mas não consegue negar a dor que viu e que sente e está, por isso, de mãos e pincéis atados.
vim de lá um com um pedaço dessa angústia – e de medo – de um dia poder become stuck, que todos podemos, se quisermos, see the surface and feel what is underneath e sermos para sempre transformados por aquilo que vemos. é tudo uma questão de perspectiva…

raquel patriarca
.oito.abril.doismiledez
terra sem palavras
dea loher
uma produção assédio
com interpretação de rosa quiroga
em cena no estúdio zero
de 27 de março a 11 de abril
de terça a sábado às 21.30h e domingo às 16.00h
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sábado, 3 de abril de 2010

fragmentoisas VII


"março é meu"
colagem pseudo-inspirada e duvidosamente artística gestada e parida numa qualquer noite de março enquanto esperava pela primavera como quem acredita no pai-natal...
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raquel patriarca
três.abril.doismiledez

sexta-feira, 2 de abril de 2010

estrelas, planetas, plutóides e outras esferas do espaço - história redonda e achatada nos pólos... capítulo um

Era uma vez um menino. Um menino em tudo igual aos outros meninos da sua idade. Era diferente apenas numa coisa, só sua e muito especial. Este menino estava sempre atento a tudo, adorava fazer perguntas e pensava, pensava muito; nas coisas sérias e nas brincadeiras, nos acontecimentos importantes e nos pormenores pequeninos, em tudo e em nada.
Um dia, ouviu um senhor muito bem engravatado na televisão a dizer que Plutão, o nono planeta, tinha deixado de o ser. A partir de agora fazia parte da classe dos Plutóides. E aquilo devia ser um assunto sério porque vieram muitos senhores falar sobre a mesma coisa e todos usavam óculos. Até o pai tinha ficado muito calado e quieto a ouvir a notícia, enquanto o menino esperava que ele lhe descascasse o resto da maçã.
Não era todos os dias que se falava tanto de planetas e estrelas à hora do lanche, e o menino tentava perceber o que se dizia na notícia, mas não era nada fácil porque os senhores na televisão têm muita dificuldade em falar como gente normal.
Assim que acabou de comer a maçã, o menino saltou de cima do seu banquito e caiu, caiu, caiu... Passou as nuvens e ficou com imensos pedacitos de algodão de chuva nos cabelos. Depois tudo foi ficando escuro à sua volta, como se entrasse devagarinho numa noite cheia de estrelas muito brilhantes.


raquel patriarca
três.março.doismilenove

nota: hoje comemora-se o dia mundial do livro infantil e faz anos que nasceu o senhor Hans Christian Andersen (1805-1875) que, por coincidência, escreveu muitos livros para crianças!
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