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Quero escrever um poema para
uma tília que conheci quando era
pequena.
Já se não podem escrever poemas
às magnólias que são
magníficos relâmpagos
ou aos rododendros que são –
todos –
mais-que-perfeitos
(e eu, pequena, nem sabia o que
era uma magnólia
nem conseguia dizer
ro-do-den-dro).
.
Eu brincava com a alegria de
quem
tem pouco juízo e sabe, menos
ainda,
das coisas da vida.
Às vezes descalça, mas sempre
de chapéu e sorriso, à beira
dela, assim pequena e roliça
(eu, porque ela era imensa
imensa, de segurar o céu nas pontas dos ramos).
Ela, com as flores muito brancas
em redonda cabeleira de mulher
velhinha e sábia,
gastava-se de tempo comigo e
brincávamos no silêncio das
tardes sem fim,
num quintal estreito com
alfazemas no jardim.
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Ela, muito sossegadamente doce e
cheirosa,
deixava-me subir e ficar
sentada,
as pernas penduradas a abanar,
mais alta que as casas e que
torre da igreja,
no lugar dos sonhos e dos contos
de encantar.
E eu fazia de conta que
chegava a um outro país,
de gigantes e anões e animais
pensantes e faladores,
com tesouros floridos de magia e
segredo,
onde enchia saquinhos de pano
com
o cheiro das folhas e a brancura
das flores,
que trazia, como curas de
milagre, que
se guardassem em frascos com
mola na tampa
e etiquetas de papel e letras
desenhadas.
.
Ela prometia bem-fazer aos
resfriados,
assim fervente em malgas grandes de louça pintada,
enquanto aquecia os meus dedos
gorduchos
e as mãos pequeninas e muito
brancas
da minha avó, nas manhãs dos
invernos frios,
que na serra da minha infância,
os invernos
eram sempre mais brancos e mais
frios.
.
Éramos muito amigas, a tília, a
minha avó e eu,
mansamente abrigadas no quintal
estreito
onde crescia a tília
onde eu era pequena e roliça e
de onde via o mundo,
assim, sentadamente feliz e
desimportada de tudo.
.
Quero escrever um poema para
uma tília que me cresce na
memória,
imensa imensa
na largueza do abraço e na
altura do horizonte,
o poiso magnífico e
mais-que-perfeito
das criaturas do céu e das cores
da serra,
com cheiro de carinho e de
inverno
entre a curva do pescoço e os
cabelos de mulher velhinha,
que são flores brancas de ramos
mais altos em cada dia,
cabidas em mãos pequeninas onde
eu cabia.
.
Agradeço à árvore de abrigo
onde sonhava crescer e ser
grande e escrever e pintar,
e para onde, agora grande, posso
sempre voltar,
carregada de outros sonhos e de
outros invernos,
descalça ainda, mas quente e
sossegada e nunca só,
como se abraçada na folhagem do
colo de uma avó.
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raquel patriarca | um.novembro.doismiletreze
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