segunda-feira, 11 de agosto de 2008

a história da girafa da cor do céu


Num Verão quente, o fim da tarde passava muito devagarinho, enquanto o sol se punha atrás de uma colina verde salpicada de oliveiras, ao som do cantarolar de um melro gorducho e lustroso. Na cadeira do alpendre mãe e filho embalavam-se um ao outro. Banho tomado, jantar comido, o filho encaixado de lado ao colo da mãe, braço em volta do flanco, cabeça pousada no ombro, respiração funda, olhinhos pesados.
– Mãe… – diz o filho baixinho.
– Sim, amor? – responde a mãe.
– O pôr-do-sol é bonito não é? – pergunta o filho.
– É sim, amor. É muito bonito. – diz a mãe. – Sabes, quando eu era pequenina, assim da tua idade, a avó contou-me uma história sobre um pôr-do-sol.
– Uma história do pôr-do-sol? – diz o menino, curioso.
– Sim, uma história sobre um pôr-do-sol. Um pôr-do-sol num sítio muito longe daqui, onde a terra é castanha e o céu é laranja e vermelho. A avó contou que é tão bonito, tão bonito, que quem o vê nunca mais esquece aquelas cores, aqueles sons e aqueles cheiros.
– E que mais te contou avó? – pergunta a criança.
– Contou que um dia ela estava sentada na savana…
– Mamã… – interrompe o menino, – O que é uma savana?
– A savana é uma terra muito grande, sem montes nem montanhas, que se estende por todos os lados para onde podemos olhar. A terra é amarelada e só tem alguns arbustos e umas poucas árvores para fazer sombra e pintalgar de verde a paisagem.
– Está bem. – diz o filho satisfeito com a explicação.
– Então… – continua a mãe. – Estava a avó sentada na savana e à medida que chegava o fim da tarde, como agora, viu o sol a pôr-se. A terra foi ficando mais escura, mais escura, até parecer quase negra. O céu também escurecia e ficava da cor do fogo; primeiro amarelo, depois laranja e por fim cada vez mais vermelho. O sol como uma grande bola redonda muito brilhante e quase branca, foi descendo, descendo até desaparecer numa toca muito longe escondida no horizonte.
– Mamã… – interrompe o menino novamente, – O que é o horizonte?
– O horizonte é aquela linha que vemos lá ao fundo, onde a terra e o céu se tocam, – explica a mãe enquanto aponta, – Vês além?
– Vejo mamã. – responde a criança. – Deve ser um pôr-do-sol mesmo muito bonito!
– E é mesmo, filhinho. Muito, muito bonito.
– E depois, o que é que aconteceu mais? –
– Depois, quando o sol já estava meio escondido na terra, lá ao fundinho, – continuou a mãe – a avó viu a passar uma girafa…
– Uma girafa? – pergunta a criança.
– Uma girafa! – responde a mãe.
– Sabes qual é a melhor coisa das girafas, mamã? – pergunta o filho.
– Diz lá amor.
– É que as girafas conseguem limpar os ouvidos com a língua!
– Isso é muito interessante, filho!
– E o que é que aconteceu depois?
– Depois a girafa parou a conversar com a avó, porque a avó sabe falar a língua de todos os animais, – continua a mãe.
– De verdade?
– De verdade!
– Mesmo assim… falar, falar… como nós estamos a falar? – certificou-se a criança enquanto apontava para a mãe e para si próprio, ao mesmo tempo que dizia que sim com a cabeça com os olhinhos muito arregalados.
– Tal e qual! – assegurou a mãe.
– E como se chamava a girafa amiga da avó? – quis saber o menino.
– A girafa chamava-se Gaia. Era muito alta e bonita. Tinha um pescoço muito comprido, mais comprido do que qualquer outro animal, e um pelo alaranjado da cor do céu ao pôr-do-sol, com manchas castanhas da cor da terra.
– Devia ser muito bonita. – diz o filhinho.
– E era mesmo. – Responde a mãe. – A girafa chamada Gaia contou à avó que desde que era uma girafinha pequena, mal começou a esticar o pescocito para ver mais longe, queria ver para além do horizonte e descobrir para onde ia o sol quando deixava o céu e se escondia na terra. Contou que quando cresceu decidiu ir atrás desse sítio chamado horizonte, e que um dia, se despediu da família e dos amigos, e partiu numa grande viagem ao encontro do pôr-do-sol.
– E então? Encontrou-o? – diz ansiosa a criança.
– Foi exactamente o que a avó lhe perguntou. – explicou a mãe.
– E ela?
– A girafa contou que tinha viajado muitos, muitos dias. Que tinha visto muitas vezes o sol a pôr-se. E contou que quando caminhava sob as árvores da floresta, nunca perdia o sol de vista por entre os ramos altos e cheios de folhas verdes. Então viu o sol a atravessar as árvores em raios de luz que faziam brilhar mil e um tons de verde. Depois o pôr-do-sol vinha de mansinho, e a floresta escurecia debaixo de um cobertor de folhas, enquanto o céu passava de azul para um arroxeado quase mágico e um sol mais fraquinho se ia escondendo numa cama de folhagem, lá longe no horizonte.
– Que lindo, mamã! – exclama o menino.
– Pois é, amor. – diz a mãe. – A girafa chamada Gaia contou ainda que viajou por um grande deserto. Aí não havia árvores. Para onde olhava só via montanhas de areia branca e mal podia olhar para o sol, porque era muito claro e forte e magoava-lhe o corpo e os olhos. No deserto, quando o sol se punha o céu reflectia as cores do deserto em nuvens de algodão amarelo-torrado, e desaparecia aos poucos atrás de uma duna de areia longínqua.
– Amarelo-torrado da cor das torradas com manteiga? – pergunta o filho.
– Exactamente. – diz a mãe. – A girafa contou à avó que ao atravessar a savana pôde, de vez em quando, abrigar-se à sombra de uma ou outra árvore. O sol não era tão forte como no deserto e corria uma brisa fresca que a girafa chamada Gaia não sabia de onde vinha, mas que sabia muito bem. E aí era tal e qual como a avó contou: deixavam de se perceber as cores das árvores e da terra, ficavam só os contornos a negro que se recortavam num céu mais vermelho onde o sol se escondia lá muito longe, junto da linha do horizonte.
– E foi aí que a girafa encontrou a avó? – perguntou o menino.
– Não, amor, ainda não foi aí. – explicou a mãe. – Isso foi depois.
– Então?
– A girafa continuou a sua viagem até que um dia, a terra acabou e a girafa de nome Gaia chegou às margens do mar.
– Chegou à praia?
– Sim filho chegou à praia.
– E depois?
– A girafa ficou maravilhada com a imensidão do oceano e com o som que faziam as ondas a enrolar conchinhas na areia e ficou a ver o sol a pôr-se no mar. E então, entre o azul do céu e o azul do mar desceu um sol vermelho como o fogo que parecia mergulhar nas águas e incendiá-las também com a sua cor.
– Oh mãe… – diz a criança.
– Diz filhote. – responde a mãe.
– As girafas sabem nadar? – pergunta o menino.
– Não amor. A girafa Gaia não pôde continuar a sua viagem. Teve de voltar para trás, e foi na sua viagem de regresso que encontrou e parou a conversar com a avó. – explicou a mãe.
– Ah. E ela não ficou triste?
– A avó também perguntou o mesmo e sabes o que ela respondeu? – perguntou a mãe.
– Não. – diz o filho. – O que foi?
– Ela respondeu que a viagem tinha sido maravilhosa e que tinha visto coisas muito bonitas que nunca podia imaginar que existiam. Sabia agora que nunca podia chegar ao horizonte e ao sol porque eles viajavam com ela sempre, sempre mais além. A girafa contou à avó que se sentia muito feliz pelas histórias que tinha para contar aos seus amigos. A avó disse-lhe que também estava muito feliz por se terem conhecido, e foi assim que se despediram. A girafa continuou o seu caminho e a avó ficou a ver o pôr-do-sol.
– Que bonita história mãe! – diz o menino.
– Pois é filho. – concorda a mãe.
– Eu também gostava de ir até ao horizonte… Achas que posso?
– Claro meu amor! Um destes dias falaremos sobre isso…

b. b. booker
agosto de 2008

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