segunda-feira, 8 de setembro de 2008

a história do avô que nasceu na selva amazónica


Era uma vez um dia de Outono, triste, cinzento e com aquele frio húmido que faz doer os ossos. Um menino de quatro anos, de joelhos numa cadeira e nariz encostado ao vidro, espreitava pela janela. Não foi à escolinha porque estava doente e não lhe apetecia brincar porque lhe doíam os ouvidinhos e a garganta.
De mansinho, quase sem fazer barulho nenhum, o avô chegou e pousou-lhe a mão no ombro.
– Estás bem, querido? Queres alguma coisa? – perguntou.
– Estou bem avô. ­– Respondeu o menino que falava muito bem. – Estou só caidito…
O avô enterneceu-se. Pegou no menino ao colo, deu-lhe um abraço apertado e um beijinho na bochechinha corada e quente dos restitos da febre.
– Anda cá. Vou contar-te uma história. Uma história fantástica!
O avô sentou-se no cadeirão, pertinho da lareira e o menino aconchegou-se bem no seu colo, com as pontinhas dos pés fez deslizar as pantufas dos calcanhares e enterrou os pés entre a perna do avô e a almofada. Depois abriu muito os olhitos e ficou à espera.
– Vou contar-te a história da minha infância. Tu não sabes, mas eu nasci no meio de uma floresta.
– Numa floresta, avô? – perguntou a criança subitamente iluminada de curiosidade.
– Isso mesmo, filho. Numa floresta. – respondeu o avô, muito solene. – E não foi numa floresta qualquer; foi na floresta amazónica.
– A sério avô? – diz o menino fascinado.
– A sério! Nasci na floresta amazónica muito, muito longe daqui, mesmo aos pés de uma árvore, acho que era um eucalipto ou então uma goiaba brava. Já foi há muito tempo.
– Oh avô, – pergunta o menino – Na Amazónia há eucaliptos?
– Claro que sim! – responde prontamente o avô. – A floresta amazónica é o último sítio do mundo onde existem todas as espécies de árvores.
– Ahhhh! – exclama acriança – Deve ser muito grande!
– Pois é! – continua o avô – Grande e bonito! E foi aí mesmo que eu nasci ali. Junto à raiz de uma árvore, mesmo ao lado de um ninho de cobras venenosas.
– Venenosas, avô? – pergunta o menino, tremendo com um arrepio e apertando o braço do avô entre as suas mãozitas pequeninas – E não tiveste medo?
– Não, não tive medo porque houve uma tribo de índios da Amazónia que tratou de mim, e me criou até eu ser grande.
– Oh avô, – interrompe a criança, – o que é uma tribo?
– Boa pergunta! – sorri o avô. – Uma tribo é um grupo de pessoas que vivem mais ou menos juntas, e que trabalham e partilham as coisas que têm e se encarregam do bem-estar umas das outras. – tenta explicar.
– Como uma família? – pergunta o menino.
– Exactamente! – responde o avô.
– E tu quando eras pequenino viveste com essa família chamada Tribo? Na Amazónia?
– Isso mesmo. Durante muitos anos, vivi com os índios da floresta. Aprendi a caçar e a cozinhar a carne, e a lutar com animais selvagens quando era preciso proteger o nosso espaço.
– E alguma vez lutaste com um animal selvagem avô? – quis saber a criança, rendida de fascínio e antecipação.
– Oh sim! Muitas vezes! – contou o avô, fechando os olhos como quem está a lembrar. – Uma vez lutei com um leão, mas não o magoei muito, só o suficiente para ele se ir embora. Porque os índios da floresta amazónica ensinaram-me que devemos ser amigos de todos os animais.
– Mesmo dos maus? – pergunta o neto.
– Claro, filhinho. – diz o avô – Aqueles animais a que chamas de maus, só são maus às vezes, quando têm fome ou se sentem ameaçados, percebes?
– Sim, avô.
– Houve outra vez que uma enormíssima cobra vinha por entre os arbustos junto à terra, decidida a comer um passarito que costumava vir cantar de manhã, perto da minha cabana.
– E depois?
– Depois fiquei zangado porque gostava muito do passarito e não queria que nenhum animal lhe fizesse mal. Tive de lá ir a correr, agarrei na cobra com as duas mãos e zás, dei-lhe uma dentada!
– A sério, avô? – pergunta o menino.
– Mesmo a sério! – assegura o avô – uma enorme dentada na pele escamosa das costas.
– E não te fez impressão?
– Fez um bocadinho, é verdade. As cobras são muito frias e viscosas. Há outros animais mais simpáticos e agradáveis de tocar… como o meu amigo elefante bebé.
– Tu tinhas um amigo elefante bebé?
– Tinha pois. Ficamos amigos no dia em que eu o salvei de uma matilha de hipopótamos.
– Uma matilha de hipopótamos – pergunta o menino assombrado.
– Isso mesmo! – explica o avô – Vinham todos por ali abaixo a correr e iam passar por cima do pobre elefante bebé.
– E tu salvaste-o? – diz a criança num misto de admiração e orgulho. – Tu sozinho!
– Eu mesmo! – responde o avô todo inchado. – Desde esse dia fomos os melhores amigos. Ele levava-me a passear sentado no seu pescoço, sacudia-me as moscas com as grandes orelhas e eu fazia-lhe festinhas no pêlo macio. Andávamos juntos para todo o lado.
– Deve ser bom ter um amigo elefante! – exclama o menino.
– É sim senhor – concorda o avô. – É muito bom. Não há nada no mundo tão bom como os amigos!
– Tinhas mais amigos, avô? – pergunta o neto, muito interessado.
– Oh sim! Tinha muitos amigos. Mas há sempre alguns especiais. Aqueles que estão sempre a nosso lado, que nos conhecem os segredos e nos aceitam assim, tal e qual como nós somos. Desses amigos que são quase irmãos eu tinha dois. Um era o elefante, que tu já conheces, o outro era um cão-crodilo.
– Um cão-crodilo? – pergunta a criança incrédula.
– Sim, um cão-crodilo. É uma espécie muito rara. É como um crocodilo mas especialmente fiel e dedicado aos amigos. E queres saber o que era mais engraçado? – Perguntou o avô.
– Quero! – respondeu prontamente o neto.
– Ele abanava a cauda para dizer “Olá” de cada vez que nos encontrávamos!
O menino atirou a cabeça para trás deu uma daquelas gargalhadas límpidas e luminosas que só as crianças sabem dar. Abraçou o avô pelo pescoço, e disse-lhe quase ao ouvido:
– Avô, tu contas as melhores histórias do mundo!
O avô também sorriu e devolveu o abraço.
– Vá, agora vamos ao lanche que a mamã deve estar quase a chegar para te levar para casa.
E lá foram os dois, recordar detalhes da história e acrescentar outros novos, entre dentadas de pão de lenha e goles de leite com chocolate.
Mais tarde, como combinado, a mãe chegou. Deliciada viu o filho, sorridente e de olhos brilhantes, correr para si de braços abertos.
– Mãe! – diz a criança – Hoje aprendi uma coisa muito importante! Queres que te conte?
– Claro, amor! – responde a mãe – Quero que me contes tudo!
– Sabes, todas as pessoas têm amigos. E alguns desses amigos são muito especiais. – Explica o menino, abanando a cabeça para melhor se fazer entender. – Conversam muito e quando estão tristes dão as mãos e quando estão contentes brincam juntos. – Continua a criança fazendo gestos com as mãozitas e abrindo muito os olhos. – Percebes?
– Sim, amor. Claro que percebo. – Responde a mãe. – E tu também hás-de ter amigos assim especiais, meu querido.
– Eu já tenho, mãe! – Diz o menino, virando a cabecita e sorrindo para o avô, que lhe pisca o olho em resposta.
b. b. booker
setembro de 2008

Sem comentários:

Enviar um comentário