quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
evolucionismo e/ou criacionismo
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mamã - começou ele com aquele ar sereno de quem não quer a coisa que ele usa costumeiramente - quem foi o primeiro homem?
foi o australantropos - disse eu com um ar muito seguro e satisfeito por ter merecido a inacreditável bênção de, desta vez, saber a resposta.
então e antes? continuou ele com aquela pertinácia que me faz tremer o chão debaixo dos pés.
antes não é que houvesse bem homens homens. havia outras espécies que se julga que serão um tipo de parentes afastados ou coisa parecida. havia os primatas, mas os primatas ainda existem hoje, mas não são os mesmos, estás a ver? são outros, diferentes, mais evoluídos. percebes?
já nem eu percebia e começou a parecer-me que um chimpanzé não se embrulharia tanto. julgo que ele deu conta porque foi muito paciente no momento em que decidiu reformular a pergunta. quando voltou a falar olhou para mim muito de frente a sublinhou pausada e claramente cada uma das palavras.
o que eu quero saber, mamã, é quem é que existia antes de tudo. quem é que fez tudo. percebes?
foi então que dei conta que eram horas de ir tomar banho.
.r.p.
dez.dezembro.doismiledez
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sexta-feira, 26 de novembro de 2010
billy & simba
"billy & simba"
em frente à secretária do escritório - porto
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r.p.
dezoito.fevereiro.doismiledez
os dias maus
há alturas na vida em que os dias maus parecem não ter fim. como se o destino não tivesse mais o que fazer do que vir, sádica e criativamente, infernizar-nos a existência. cada dia que passa, e que é mau e se vai encostar aos outros dias maus, pesa mais e entorpece mais. depois somos invadidos por uma tristeza míope que desfoca tudo em fumos de desencanto. pesam as coisas que nos acontecem só a nós, as angústias e as contrariedades que são secretas de cada um, e pesam as coisas que nos vão acontecendo a todos, em conjunto, que o destino é velhaco mas é democrático.
costumamos orgulhar-nos de ser optimistas e persistentes. escondemos com o mínimo de pudor os medos que nos perseguem e as dúvidas que minam as decisões que tomamos. tentamos ser fiéis àquilo em que acreditamos e consequentes com as crenças que defendemos. sabemos que muitas vezes a verticalidade desempenada de portugueses resolutos que ostentamos ao sair de casa pela manhã vem mais da teimosia que da convicção, mas ainda assim continuamos a querer sonhar e a não querer desistir.
alguém decidiu aumentar os preços a tudo o que nos é preciso e resmungamos e resmungamos e resmungamos e depois vamos pagá-las porque que remédio… e depois começamos a poupar no parcómetro e o carro é rebocado, e tudo nas vésperas de se ter avariado o cilindro e termos ficado sem água quente. abre-se o jornal e ficamos a saber que o ministério das finanças nos convida a estar atentos aos sinais exteriores de riqueza dos nossos concidadãos para que, conscienciosamente, os possamos denunciar naquilo que nos pareça excessivo. e temos vergonha de estarmos a desivoluir e de nos quererem usar assim, como quem explora o que há de pior na humanidade.
mas somos rijos e pensamos que tudo bem, somos saudáveis e temos um tecto e roupa e comida e família. e dedicamos um serão a pendurar luzinhas na árvore de natal e a absorver o máximo da ternura das crianças, a ver se nos serve de combustível até ao fim da semana. depois afinal é preciso fazer exames e até estamos a ver cada vez pior. no entretanto alguém vem dizer-nos, solene e sentadamente, que está doente a valer e o mundo parece que nos foge e leva o chão e tudo. e andamos mais devagar como quem tem de se proteger contra a deslocação do ar, e há aquele filho da mãe que nos vem espetar qualquer coisa nas costas e, só porque pode, dedica-se a inventar obstáculos com que vai decorando o caminho à nossa frente: umas paredes aqui, umas cascas de banana acolá… mas cerramos os dentes e não batemos a ninguém que somos gente civilizada e o mal fica com quem o faz. lá vamos espremendo as expectativas de que tudo há-de correr pelo melhor. mimam-se os doentes, fazem-se os exames, marcam-se as consultas, gastam-se no cilindro novo os trocos das propinas do semestre seguinte e depois logo se vê.
e tudo recomeça, todos os dias, na esperança que hoje seja um dia bom. e depois… depois encolhemo-nos do mundo ao fim de uma dúzia de horas sem eventos, para ouvir nas notícias que políticos de todos os partidos parlamentares escreveram textos inéditos dirigidos às crianças reunidos num livro intitulado “contos pouco políticos”. e é aqui que sentimos partir-se qualquer coisa cá dentro. sentimos que não temos animo para mais nada. mais nada que não seja berrar palavrões.
r.p.
vinteeseis.novembro.doismiledez
terça-feira, 9 de novembro de 2010
photo grafia XLIV
"trabalhar com luz natural"
a minha rua vista da janela do escritório - porto
r.p.
nove.novembro.doismiledez
entretanto o vento
durante qualquer coisa que
possa ser tomada como
medida de tempo – uma
vida, um soluço, tanto faz –
abandonei-me das dúvidas e
acreditei
nos milagres, nas
mentiras, na possibilidade de
todos os impossíveis e todos
os infinitos.
acreditei por vontade de
esperança.
para fugir de cinismos e tédios e mesmices. acreditei por desespero
e
sofro as dores de sentir
moribundas
as expectativas. sangra-me
a vontade
e, em breve, a lividez inerte
limpará os vestígios
de quaisquer boas vontades.
pensadas ou cometidas
serei incólume. entregue a
nada. crente em nada. pela rendição
aos absurdos, parte
integrante do indiferente. em
repouso e à espera, sem
tecto e sem relento que,
entretanto, o vento
r.p.
nove.novembro.doismiledez
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
três de novembro
.
era uma vez
um menino chamado afonso
que foi o mais bravo guerreiro
de todos os contos e histórias de encantar,
um herói tão especial
que lhe escreveram poemas épicos
daqueles que se cantam nas noites de luar;
inspirou as verdadeiras lendas
e ergueram-lhe estátuas de bronze
onde as donzelas e princesas
vinham deixar flores e outras prendas.
não me parece que na vida o importante seja o tanto que conseguimos reunir ou o tempo que levamos a consegui-lo. julgo que é mais importante a diferença que fazemos na vida dos outros. talvez seja essa a única forma de sermos eternos.
r.p.
.
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sexta-feira, 29 de outubro de 2010
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
a três tempos
1.
o tempo não existe. é um engano. uma mentira. uma necessidade
compulsiva de controlar o incontrolável. uma convenção
que se pretende universal mas não absoluta.
a sua pseudo existência acompanha a intemporalidade do espírito
humano.
o tempo, serve para eu saber quem sou, de onde venho e o que quero
ser no futuro próximo e longínquo. serve para encadear
tudo o que existe no plano físico, de uma forma metafisicamente
difícil de compreender.
o Alberto disse-me uma ocasião que o tempo -
como coisa quantificável e científica - serve
para que os acontecimentos não aconteçam todos de uma só vez.
eu nunca duvidei do que me diz o Alberto mas às vezes,
de longe a longe, quer-me parecer que o tempo -
como conceito abstracto e iniludível da vida -
serve para atrapalhar cada um dos pequenos segmentos
quânticos em que é possível espartilhar a existência.
a minha ou qualquer outra.
epidemicamente.
2.
e eu, pequena criatura, menos que as areias do pó que pousa
ao de leve nas nuvens do pensamento de Cronos,
danço desassossegado com um enigma que ele inventou.
sei-me incapaz de lhe fugir,
ignorar as regras ou pisar as fronteiras;
e sei-me sempre sem ele,
sem equilíbrio e sem controlo,
a correr atrás da minha própria rotina –
atrasada e descompassadamente -
desesperado de a apanhar, tão alheia de mim que agora é.
tamanha auto consciência seria de louvar, não fora a enormidade
de tudo o que não sei e a inutilidade do pouco que vou intuindo.
pergunto-me se com Alberto terá sido assim.
claro, no campo da problematização teórica e científica, ninguém
foi mais longe. estou até convencido que se houve alguém perto
de dar um estalo na testa altiva e emproada de Cronos,
esse alguém foi o Alberto. digo no correr normal dos dias.
no dobrar das peúgas e no ser-se cidadão
e no tentar não envergonhar os pais. pergunto-me se
ao Alberto também faltava tempo.
quero dizer: se lhe faltava, como a mim.
o facto é que não tenho tempo.
tenho-o
porque o sinto em mim a embolorecer os ossos
e a alegria. a dobrar rugas nas expectativas.
a esboroar espaços vazios onde vem morar o vento
dos outonos que vão passando.
tenho-o
porque o reconheço quando estamos só os dois. sem mais ninguém.
então, descubro que me falta iniciativa. que entretanto
me desabitou toda a família da vontade como um inquilino descontente
que se mudasse para onde o sol seja mais quente e as pessoas
sorriam mais pela manhã. e deixo-o fugir outra e outra vez,
existo, simplesmente, e ele fica, durante um bocado a fazer-me
festas na cabeça e a encanecer-me os cabelos.
figurativamente.
depois desaparece subsumido entre o aprumo das
lombadas e a linearidade dos festos e dos mil e muitos
gestos que se gastam todos os dias.
em coisa nenhuma.
desgovernadamente.
3.
estou velho, Alberto. o que não compreendi ou aprendi
ainda, já não é meu para aprender ou atingir. se outrora
me foi cara a ideia de cada acontecimento
acontecer na sua vez, estou agora tão desimportado
que já nem perco tempo a pensar em tal coisa.
estou cansado, Alberto. talvez encontre ainda
vontade para não querer escoar
o tempo que me resta a reflectir contigo – que já não existes
cronologicamente - sobre as incongruências dele – que afinal
é eterno. tu baralhas-me. e o que me baralha é infalível
que acabe por me irritar, e eu estou velho demais para me irritar
com a competência e presença de espírito que me merece a memória
que tenho de mim próprio.
suponho que também a memória - como o tempo -
me vá mentindo aos poucos todos os dias.
que aquilo que me lembro de ter vivido, tão real
como eu estar aqui, tenha afinal uma existência
tão irreal como aquela que um dia atribuí
ao próprio tempo.
talvez nada do que me lembro tenha de facto acontecido. talvez
tudo não passe de amontoados de imagens descoloridas
que eu próprio inventei, juntando - sem atenção às quantidades –
os meus incumprimentos e o passar tempo.
tanto faz, Alberto. porque o que o tempo me deixou
é tudo o que me resta.
agora, uma realidade relativa.
absolutamente.
o tempo não existe. é um engano. uma mentira. uma necessidade
compulsiva de controlar o incontrolável. uma convenção
que se pretende universal mas não absoluta.
a sua pseudo existência acompanha a intemporalidade do espírito
humano.
o tempo, serve para eu saber quem sou, de onde venho e o que quero
ser no futuro próximo e longínquo. serve para encadear
tudo o que existe no plano físico, de uma forma metafisicamente
difícil de compreender.
o Alberto disse-me uma ocasião que o tempo -
como coisa quantificável e científica - serve
para que os acontecimentos não aconteçam todos de uma só vez.
eu nunca duvidei do que me diz o Alberto mas às vezes,
de longe a longe, quer-me parecer que o tempo -
como conceito abstracto e iniludível da vida -
serve para atrapalhar cada um dos pequenos segmentos
quânticos em que é possível espartilhar a existência.
a minha ou qualquer outra.
epidemicamente.
2.
e eu, pequena criatura, menos que as areias do pó que pousa
ao de leve nas nuvens do pensamento de Cronos,
danço desassossegado com um enigma que ele inventou.
sei-me incapaz de lhe fugir,
ignorar as regras ou pisar as fronteiras;
e sei-me sempre sem ele,
sem equilíbrio e sem controlo,
a correr atrás da minha própria rotina –
atrasada e descompassadamente -
desesperado de a apanhar, tão alheia de mim que agora é.
tamanha auto consciência seria de louvar, não fora a enormidade
de tudo o que não sei e a inutilidade do pouco que vou intuindo.
pergunto-me se com Alberto terá sido assim.
claro, no campo da problematização teórica e científica, ninguém
foi mais longe. estou até convencido que se houve alguém perto
de dar um estalo na testa altiva e emproada de Cronos,
esse alguém foi o Alberto. digo no correr normal dos dias.
no dobrar das peúgas e no ser-se cidadão
e no tentar não envergonhar os pais. pergunto-me se
ao Alberto também faltava tempo.
quero dizer: se lhe faltava, como a mim.
o facto é que não tenho tempo.
tenho-o
porque o sinto em mim a embolorecer os ossos
e a alegria. a dobrar rugas nas expectativas.
a esboroar espaços vazios onde vem morar o vento
dos outonos que vão passando.
tenho-o
porque o reconheço quando estamos só os dois. sem mais ninguém.
então, descubro que me falta iniciativa. que entretanto
me desabitou toda a família da vontade como um inquilino descontente
que se mudasse para onde o sol seja mais quente e as pessoas
sorriam mais pela manhã. e deixo-o fugir outra e outra vez,
existo, simplesmente, e ele fica, durante um bocado a fazer-me
festas na cabeça e a encanecer-me os cabelos.
figurativamente.
depois desaparece subsumido entre o aprumo das
lombadas e a linearidade dos festos e dos mil e muitos
gestos que se gastam todos os dias.
em coisa nenhuma.
desgovernadamente.
3.
estou velho, Alberto. o que não compreendi ou aprendi
ainda, já não é meu para aprender ou atingir. se outrora
me foi cara a ideia de cada acontecimento
acontecer na sua vez, estou agora tão desimportado
que já nem perco tempo a pensar em tal coisa.
estou cansado, Alberto. talvez encontre ainda
vontade para não querer escoar
o tempo que me resta a reflectir contigo – que já não existes
cronologicamente - sobre as incongruências dele – que afinal
é eterno. tu baralhas-me. e o que me baralha é infalível
que acabe por me irritar, e eu estou velho demais para me irritar
com a competência e presença de espírito que me merece a memória
que tenho de mim próprio.
suponho que também a memória - como o tempo -
me vá mentindo aos poucos todos os dias.
que aquilo que me lembro de ter vivido, tão real
como eu estar aqui, tenha afinal uma existência
tão irreal como aquela que um dia atribuí
ao próprio tempo.
talvez nada do que me lembro tenha de facto acontecido. talvez
tudo não passe de amontoados de imagens descoloridas
que eu próprio inventei, juntando - sem atenção às quantidades –
os meus incumprimentos e o passar tempo.
tanto faz, Alberto. porque o que o tempo me deixou
é tudo o que me resta.
agora, uma realidade relativa.
absolutamente.
raquel patriarca
vinteeoito.outubro.doismiledez
.
nós aqui
.
entre nós, tanto tempo.
vidas oferecidas num verso
de papel velho e um abraço.
entre nós, tanto tempo. nenhum espaço.
entre nós, tanto tempo.
vidas oferecidas num verso
de papel velho e um abraço.
entre nós, tanto tempo. nenhum espaço.
raquel patriarca
vinteeoito.outubro.doismiledez
.
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
notícias minhas em palavras alheias
.
Tenho uma grande constipação,
e toda a gente sabe como as grandes constipações
alteram todo o sistema do universo,
zangam-nos contra a vida,
e fazem espirrar até à metafísica.
Tenho o dia perdido cheio de me assoar.
Dói-me a cabeça indistintamente.
Triste condição para um poeta menor!
Hoje sou verdadeiramente um poeta menor.
O que fui outrora foi um desejo; partiu-se.
Adeus para sempre, rainha das fadas!
As tuas asas eram de sol, e eu cá vou andando.
Não estarei bem se não me deitar na cama.
Nunca estive bem senão deitando-me no universo.
Excusez un peu... Que grande constipação física!
Preciso de verdade e da aspirina.
Tenho uma grande constipação,
e toda a gente sabe como as grandes constipações
alteram todo o sistema do universo,
zangam-nos contra a vida,
e fazem espirrar até à metafísica.
Tenho o dia perdido cheio de me assoar.
Dói-me a cabeça indistintamente.
Triste condição para um poeta menor!
Hoje sou verdadeiramente um poeta menor.
O que fui outrora foi um desejo; partiu-se.
Adeus para sempre, rainha das fadas!
As tuas asas eram de sol, e eu cá vou andando.
Não estarei bem se não me deitar na cama.
Nunca estive bem senão deitando-me no universo.
Excusez un peu... Que grande constipação física!
Preciso de verdade e da aspirina.
Álvaro de Campos
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quinta-feira, 21 de outubro de 2010
photo grafia XLIII
"dentro e fora, a luz"
casco histórico - córdova - espanha
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fotografia: raquel patriarca
vinteedois.agosto.doismiledez
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sexta-feira, 15 de outubro de 2010
a morte do homem
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o corpo foi encontrado pouco depois do nascer do sol. mal coberto pela folhagem, costas no chão, braços estendidos ao longo do tronco, mãos voltadas para cima em abandono. não havia no rosto sinais de sofrimento e os olhos estavam fechados. o exame preliminar apontava para um suicídio por desistência mas alguém deu conta que faltava um sapato. o mesmo alguém que, passados minutos, fez rodar o cadáver e encontrou, junto à nuca da vítima, o microscópico orifício por onde lhe haviam retirado a humanidade.
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r.
quinze.outubro.doismiledez
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photo grafia XLII
"mensagens importantes"
literatura mural - a chegar à cidade universitária - coimbra
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raquel patriarca
onze.setembro.doismiledez
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
isabel sousa
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este ano está farto de fazer desaparecer gente que nos faz falta a todos. a Isabel Sousa deixa saudades. deixa um mundo de caminhos desbravados nas bibliotecas, nos livros, na leitura. deixa inspiração que é a coisa que mais falta nos faz.
eu, quando - e se - crescer, gostava de ser como ela.
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este ano está farto de fazer desaparecer gente que nos faz falta a todos. a Isabel Sousa deixa saudades. deixa um mundo de caminhos desbravados nas bibliotecas, nos livros, na leitura. deixa inspiração que é a coisa que mais falta nos faz.
eu, quando - e se - crescer, gostava de ser como ela.
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r.
catorze.outubro.doismiledez
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há perguntas tão incrivelmente bonitas que não se devem estragar com respostas esforçadas e parolas
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ó
mamã,
ó
mamã,
como é que o eco
sabe o que nós vamos dizer
?
pedro ribeiro
catorze.outubro.doismiledez
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terça-feira, 12 de outubro de 2010
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
da subtileza
acabo de ler um conto de fadas em que uma menina – tão completamente boazinha que os passarinhos lhe cantam à volta da cabeça, e tão linda que as estrelas do céu lhe brilham nos olhos, e tão prendada que o povo miserável agradece por passar fome, e tão humilde que fica trancada numa torre durante catorze anos… e é que tinham de ser catorze
acabo de ler um conto de fadas em que uma menina que se chama florina, anda à turra e à massa durante oitenta e oito páginas com uma outra menina, sua meia irmã – tão viciosamente má que o diabo tem medo de lhe atravessar o caminho, e tão feia que ninguém consegue olhar para ela, e tão malcheirosa que as plantas e os animais tombam à sua passagem, e tão traiçoeira que mente com quantos dentes tem (e tem poucos) de maneira a fazer trancar a irmã numa torre durante catorze anos… e é que tinham de ser catorze
acabo de ler um conto de fadas em que uma menina linda e boa que se chama florina, anda à turra e à massa durante oitenta e oito páginas com uma outra menina, sua meia irmã, feia e má que se chama trutona. e tudo porque ambas se perdem de amores por um charmoso cavaleiro chamado príncipe galante.
pergunto: o que (raio) é feito da subtileza e do carácter simbólico das antigas histórias para as crianças? hum? pois...
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este texto foi inspirado pela leitura de a ave azul da autoria da baronesa d’aulnoy publicado pela primeira vez na obra les contes des fées em mil seiscentos e noventa e seis, traduzido para português por josé teixeira rêgo para o livro contos de madame d’aulnoy da biblioteca infantil e popular editada pela renascença portuguesa em mil novecentos e catorze...
e é que tinham de ser catorze
r.
r.
vinteequatro.setembro.doismiledez
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quinta-feira, 9 de setembro de 2010
photo grafia XLI
"o nascer e o pôr-do-sol"
janela do hotel - estação de chamartin - madrid - espanha
r.
trinta.agosto.doismiledez
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
diálogo
e eu disse: então é assim? teimas em não lavar os dentes? pois ficas a saber que te vou castigar. porquê, perguntou ele muito calmo. porque me desobedeceste, era eu a constatar o óbvio. voz serena e o rosto firme. desobedecer à mãe é a pior coisa que alguém pode fazer na vida, continuei num daqueles entusiasmos naturais das pessoas que, como eu, são dadas ao exagero. ele parou a meio do corredor e voltou-se, sério. solene, suportei os cinco segundos de silêncio daquele momento de revelação essencial na descoberta de um quadro de valores e referências, futuros alicerces estruturais do carácter do meu filho.
olha mãe, a voz dele era mais funda e solene que a minha, usar peúgas com sandálias é muito pior.
…
voltei para a cozinha.
.
________
_____________.
diálogo de peúgas
numa manhã entre vinte e quatro de agosto e trinta de setembro de dois mil e dez
raquel - mãe, trinta e seis anos
pedro - filho, seis anos
olha mãe, a voz dele era mais funda e solene que a minha, usar peúgas com sandálias é muito pior.
…
voltei para a cozinha.
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________
_____________.
diálogo de peúgas
numa manhã entre vinte e quatro de agosto e trinta de setembro de dois mil e dez
raquel - mãe, trinta e seis anos
pedro - filho, seis anos
r.
oito.setembro.doismiledez
terça-feira, 7 de setembro de 2010
subscrito
"numa carta põe-se um selo e uma multidão de abraços"
raquel patriarca
sete.setembro.doismiledez
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
porosidade etérea, um blog sobre poesia
ainda a seis.setembro.doismiledez
por sorte tenho muito que ler estou para receber no correio um livro de poesia novinho e em muitas folhas, de presente por ter sido muito despachada a mandar um poema para a porosidade etérea...
por sorte tenho muito que ler estou para receber no correio um livro de poesia novinho e em muitas folhas, de presente por ter sido muito despachada a mandar um poema para a porosidade etérea...
raquel patriarca
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diário de vez em quando
seis.setembro.doismiledez
as presenças em casa vão reduzir-se à minha pessoa e ao simba. infelizmente o que é bom para o trabalho e péssimo para a alma, mas agora que se me acabaram as férias é forçoso que arranque os ossos à preguiça e ponha a escrita em dia… literalmente.
as presenças em casa vão reduzir-se à minha pessoa e ao simba. infelizmente o que é bom para o trabalho e péssimo para a alma, mas agora que se me acabaram as férias é forçoso que arranque os ossos à preguiça e ponha a escrita em dia… literalmente.
raquel patriarca
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sexta-feira, 13 de agosto de 2010
photo grafia XL
"e do outro lado, só o mar"
serra de dentro - porto santo - oceano atlântico
raquel patriarca
dezassete.julho.doismiledez
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
sonho
vi um dia uma porta
enorme
no fundo de um corredor sem fim
que assim de repente
me fez querer fugir de tudo como se,
atravessada para o outro lado da porta,
nada do que me fosse desagradável
me pudesse algum dia seguir
quando do outro lado encontrei
as coisas comuns que existem e se amontoam
por todos os lados,
em vez de segurança ou das promessas
que ninguém faz nem pode realizar,
descobri a impossibilidade
a passagem que me levou de viagem
entre um mundo e o outro,
era só uma porta
que ligava duas mesmas coisas.
e, dos dois lados, estava
eu
enorme
no fundo de um corredor sem fim
que assim de repente
me fez querer fugir de tudo como se,
atravessada para o outro lado da porta,
nada do que me fosse desagradável
me pudesse algum dia seguir
quando do outro lado encontrei
as coisas comuns que existem e se amontoam
por todos os lados,
em vez de segurança ou das promessas
que ninguém faz nem pode realizar,
descobri a impossibilidade
a passagem que me levou de viagem
entre um mundo e o outro,
era só uma porta
que ligava duas mesmas coisas.
e, dos dois lados, estava
eu
raquel patriarca
vinteetrês.abril.doismiledez
sexta-feira, 6 de agosto de 2010
insónia
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hoje não se dorme. ou é do calor ou da angústia que se queima devagarinho e se consome em comichão e suor e incompetência para arranjar encaixe na almofada para a curva entre o ombro, o pescoço e a cabeça. se ao menos estivesse quieta, a cabeça, talvez se enganasse o desassossego, a angústia e a comichão e talvez hoje se dormisse. mas hoje não.
.
hoje não se dorme. ou é do calor ou da angústia que se queima devagarinho e se consome em comichão e suor e incompetência para arranjar encaixe na almofada para a curva entre o ombro, o pescoço e a cabeça. se ao menos estivesse quieta, a cabeça, talvez se enganasse o desassossego, a angústia e a comichão e talvez hoje se dormisse. mas hoje não.
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raquel patriarca
cinco.agosto.doismiledez
terça-feira, 27 de julho de 2010
photo grafia XXXIX
"respirar mais fundo"
porto santo - arquipélago da madeira - oceano atlântico
fotografia: raquel patriarca
julho.doismiledez
quarta-feira, 14 de julho de 2010
photo grafia XXXVIII
"pôr do sol"
varanda - piódão - serra do açor
fotografia: raquel patriarca
vinteequatro.junho.doismiledez
de pretender atingir a plenitude complexa das coisas da criação ou o pecado de fazer perguntas
que diabo de ideia foi esta de se corresponder uma infracção
a cada desejo instintivo de prazer? o senhor é sádico, é masoquista,
ou é as duas coisas? ou então é um plagiador do pior
e sem vergonha na cara, que isto em que vivemos
não é mais que a versão descolorida do tártaro clássico onde o alvo
do desejo se nos revela e se nos escapa, onde repetimos
os mesmos erros – invariavelmente –, onde sofremos
as mesmas dores, as mesmas perdas – constantemente
e se é no livre arbítrio que explicam as ambivalências do bem
e do mal, as encruzilhadas e os caminhos percorridos, de que lado
da trincheira se há-de encaixar a ideia peregrina
da criação e comércio das bulas de indulgência ou
a estratégia brilhante baseada na inércia
a que comummente se chama de regime de prescrições?
pertencem à instancia das culpas, à família alargada dos perdões?
e o inferno? ainda recebe gente ou esgotou a lotação?
talvez se reserve, nos tempos que correm, à 'nata da escumalha'
sendo que o resto de nós, pecadores impenitentes
e hereges sensaborões, se vão ficando
órfãos e desgarrados pelos tapetes do purgatório, essa espécie
de foyer para almas medíocres, que ninguém sabe explicar o que é
mas que, ainda assim, é suposto ser certo que existe
e, já agora que estamos nisto, como pode uma
simples pessoa simples
sentir o conforto e o consolo da crença no divino
e a leveza da resignação e da confiança no eterno,
quando a pedagogia da fé lhe foi ditada por uma ogra
com excesso de pêlos e escassez de escrúpulos,
que manda fazer desenhos e só distribui canetas de feltro
de cor castanha, cinzenta e preta?
foi então que senti enterrar-se-me um par de orelhas de burro
pela cabeça abaixo e, de frente para a parede, fiquei de castigo
a ouvir as horas passar. e quando,
impaciente e de dentes cerrados, balbuciei
"que diabo!...”
a terra tremeu e o ribombar do trovão
foi a última coisa que ouvi
a cada desejo instintivo de prazer? o senhor é sádico, é masoquista,
ou é as duas coisas? ou então é um plagiador do pior
e sem vergonha na cara, que isto em que vivemos
não é mais que a versão descolorida do tártaro clássico onde o alvo
do desejo se nos revela e se nos escapa, onde repetimos
os mesmos erros – invariavelmente –, onde sofremos
as mesmas dores, as mesmas perdas – constantemente
e se é no livre arbítrio que explicam as ambivalências do bem
e do mal, as encruzilhadas e os caminhos percorridos, de que lado
da trincheira se há-de encaixar a ideia peregrina
da criação e comércio das bulas de indulgência ou
a estratégia brilhante baseada na inércia
a que comummente se chama de regime de prescrições?
pertencem à instancia das culpas, à família alargada dos perdões?
e o inferno? ainda recebe gente ou esgotou a lotação?
talvez se reserve, nos tempos que correm, à 'nata da escumalha'
sendo que o resto de nós, pecadores impenitentes
e hereges sensaborões, se vão ficando
órfãos e desgarrados pelos tapetes do purgatório, essa espécie
de foyer para almas medíocres, que ninguém sabe explicar o que é
mas que, ainda assim, é suposto ser certo que existe
e, já agora que estamos nisto, como pode uma
simples pessoa simples
sentir o conforto e o consolo da crença no divino
e a leveza da resignação e da confiança no eterno,
quando a pedagogia da fé lhe foi ditada por uma ogra
com excesso de pêlos e escassez de escrúpulos,
que manda fazer desenhos e só distribui canetas de feltro
de cor castanha, cinzenta e preta?
foi então que senti enterrar-se-me um par de orelhas de burro
pela cabeça abaixo e, de frente para a parede, fiquei de castigo
a ouvir as horas passar. e quando,
impaciente e de dentes cerrados, balbuciei
"que diabo!...”
a terra tremeu e o ribombar do trovão
foi a última coisa que ouvi
raquel patriarca
dez.julho.doismiledez
photo grafia XXXVII
"brincar brincar brincar"
corredores e montras - museu do brinquedo - seia
fotografia: raquel patriarca
cinco.novembro.doismileoito
pecado da gula
é melhor a ementa que o soneto
.
.
hoje há…
consomê em verso ou creme de ervilhas_________1,00€
amêijoas à chefe com molho de redondilhas_____3,50€
rimas de cebolada (com arroz e salada)_______12,00€
sonetos de amor com broa e batatas a murro___13,50€
bife de estrofe na brasa e legumes d'esturro_12,75€
haiku de chocolate com gelado de limão________2,80€
mousse de manga com noz e quadras de s. joão__2,80€
bom apetite e volte sempre
.
dedicado aos companheiros d' o mar parece azeite.
raquel patriarca
catorze.julho.doismiledez
reflexos II
"loja de santinhos"
uma qualquer montra - rua das flores - porto
raquel patriarca
dois.fevereiro.doismiledez
o dia em que conheci o medo
antes
de conhecer
o medo
o mundo era leve
mais colorido
as terras habitadas
por barões aventureiros
índios e fadas
príncipes garbosos
criaturas fantásticas
e animais maravilhosos
qualquer sombra
ou inquietude
era – nesse tempo –
como um segredo
desconhecido
distante
até ao dia
em que conheci
o medo
descobri a tremura
nas pernas
a semente dos pesadelos
enquanto tentava não ver
o castanho das unhas
a rudeza das mãos cheias de pêlos
contava-se que numa ocasião
não muito longe
de então
dera uma tapona a um menino
de jeitos
a rebentar-lhe os lábios
e ainda que
estas coisas se contassem
em surdina –
respeitosa e sussurrada –
era forçoso ter fé em
tais histórias
velhas ou novas
conforme os detalhes
as imaginações e as memórias
no dia
em que conheci
o medo
descobri o descontrolo
das ideias
a incapacidade de falar
enquanto me sentia perder
no negrume profundo
na ameaça constante daquele olhar
espremesse alguém –
para um caldeirão –
um general sedento de sangue
um feiticeiro de coração mirrado
e um dragão venenoso e feroz
ainda assim
não ficaria nem metade
da malícia mal ardida
que ali respirava
em cada indício de gesto
em cada dobra da voz
no dia
em que conheci
o medo
descobri a insónia
da espera pela maldade
que pode existir em corpo de gente
a revolta da humilhação
pequenez e o pânico
que se vive envergonhadamente
por mais que tentasse
não concebia
qualquer espécie de
razão –
má ou boa –
para que uma dúzia de crianças
estivesse entregue
àquela lenda do terror
àquele estropício de pessoa
e não tinha
nem tenho ainda
ideia de nada que nos ensinasse
a não ser a certeza –
firme e fria –
que não há terras encantadas
que a bondade não é gratuita
que não existem fadas
nem anjos
nem magia
o dia
em que conheci
o medo
– que revivo ainda
em sonhos e acordada –
foi seguido de muitos outros
dias em que
na fila do fundo
olhos fixos na tijoleira do chão
me encolhia em silêncio
a ver se escapava
da natureza violenta mal explicada
e do discurso condescendente
e acusador –
a tentar ser moralista –
da dona lurdinhas
a senhora catequista
de conhecer
o medo
o mundo era leve
mais colorido
as terras habitadas
por barões aventureiros
índios e fadas
príncipes garbosos
criaturas fantásticas
e animais maravilhosos
qualquer sombra
ou inquietude
era – nesse tempo –
como um segredo
desconhecido
distante
até ao dia
em que conheci
o medo
descobri a tremura
nas pernas
a semente dos pesadelos
enquanto tentava não ver
o castanho das unhas
a rudeza das mãos cheias de pêlos
contava-se que numa ocasião
não muito longe
de então
dera uma tapona a um menino
de jeitos
a rebentar-lhe os lábios
e ainda que
estas coisas se contassem
em surdina –
respeitosa e sussurrada –
era forçoso ter fé em
tais histórias
velhas ou novas
conforme os detalhes
as imaginações e as memórias
no dia
em que conheci
o medo
descobri o descontrolo
das ideias
a incapacidade de falar
enquanto me sentia perder
no negrume profundo
na ameaça constante daquele olhar
espremesse alguém –
para um caldeirão –
um general sedento de sangue
um feiticeiro de coração mirrado
e um dragão venenoso e feroz
ainda assim
não ficaria nem metade
da malícia mal ardida
que ali respirava
em cada indício de gesto
em cada dobra da voz
no dia
em que conheci
o medo
descobri a insónia
da espera pela maldade
que pode existir em corpo de gente
a revolta da humilhação
pequenez e o pânico
que se vive envergonhadamente
por mais que tentasse
não concebia
qualquer espécie de
razão –
má ou boa –
para que uma dúzia de crianças
estivesse entregue
àquela lenda do terror
àquele estropício de pessoa
e não tinha
nem tenho ainda
ideia de nada que nos ensinasse
a não ser a certeza –
firme e fria –
que não há terras encantadas
que a bondade não é gratuita
que não existem fadas
nem anjos
nem magia
o dia
em que conheci
o medo
– que revivo ainda
em sonhos e acordada –
foi seguido de muitos outros
dias em que
na fila do fundo
olhos fixos na tijoleira do chão
me encolhia em silêncio
a ver se escapava
da natureza violenta mal explicada
e do discurso condescendente
e acusador –
a tentar ser moralista –
da dona lurdinhas
a senhora catequista
raquel patriarca
oito.julho.doismiledez
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