sexta-feira, 26 de novembro de 2010

os dias maus

há alturas na vida em que os dias maus parecem não ter fim. como se o destino não tivesse mais o que fazer do que vir, sádica e criativamente, infernizar-nos a existência. cada dia que passa, e que é mau e se vai encostar aos outros dias maus, pesa mais e entorpece mais. depois somos invadidos por uma tristeza míope que desfoca tudo em fumos de desencanto. pesam as coisas que nos acontecem só a nós, as angústias e as contrariedades que são secretas de cada um, e pesam as coisas que nos vão acontecendo a todos, em conjunto, que o destino é velhaco mas é democrático.
costumamos orgulhar-nos de ser optimistas e persistentes. escondemos com o mínimo de pudor os medos que nos perseguem e as dúvidas que minam as decisões que tomamos. tentamos ser fiéis àquilo em que acreditamos e consequentes com as crenças que defendemos. sabemos que muitas vezes a verticalidade desempenada de portugueses resolutos que ostentamos ao sair de casa pela manhã vem mais da teimosia que da convicção, mas ainda assim continuamos a querer sonhar e a não querer desistir.
alguém decidiu aumentar os preços a tudo o que nos é preciso e resmungamos e resmungamos e resmungamos e depois vamos pagá-las porque que remédio… e depois começamos a poupar no parcómetro e o carro é rebocado, e tudo nas vésperas de se ter avariado o cilindro e termos ficado sem água quente. abre-se o jornal e ficamos a saber que o ministério das finanças nos convida a estar atentos aos sinais exteriores de riqueza dos nossos concidadãos para que, conscienciosamente, os possamos denunciar naquilo que nos pareça excessivo. e temos vergonha de estarmos a desivoluir e de nos quererem usar assim, como quem explora o que há de pior na humanidade.
mas somos rijos e pensamos que tudo bem, somos saudáveis e temos um tecto e roupa e comida e família. e dedicamos um serão a pendurar luzinhas na árvore de natal e a absorver o máximo da ternura das crianças, a ver se nos serve de combustível até ao fim da semana. depois afinal é preciso fazer exames e até estamos a ver cada vez pior. no entretanto alguém vem dizer-nos, solene e sentadamente, que está doente a valer e o mundo parece que nos foge e leva o chão e tudo. e andamos mais devagar como quem tem de se proteger contra a deslocação do ar, e há aquele filho da mãe que nos vem espetar qualquer coisa nas costas e, só porque pode, dedica-se a inventar obstáculos com que vai decorando o caminho à nossa frente: umas paredes aqui, umas cascas de banana acolá… mas cerramos os dentes e não batemos a ninguém que somos gente civilizada e o mal fica com quem o faz. lá vamos espremendo as expectativas de que tudo há-de correr pelo melhor. mimam-se os doentes, fazem-se os exames, marcam-se as consultas, gastam-se no cilindro novo os trocos das propinas do semestre seguinte e depois logo se vê.
e tudo recomeça, todos os dias, na esperança que hoje seja um dia bom. e depois… depois encolhemo-nos do mundo ao fim de uma dúzia de horas sem eventos, para ouvir nas notícias que políticos de todos os partidos parlamentares escreveram textos inéditos dirigidos às crianças reunidos num livro intitulado “contos pouco políticos”. e é aqui que sentimos partir-se qualquer coisa cá dentro. sentimos que não temos animo para mais nada. mais nada que não seja berrar palavrões.

r.p.
vinteeseis.novembro.doismiledez


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