terça-feira, 30 de dezembro de 2008
terça-feira, 23 de dezembro de 2008
19.XII.2008
eu?
que nem senhora de mim
consigo ser
não!
mas podendo…
queria ser
senhora do vento
e então,
guardava em mim
cada poeira
cada folha queimada
seria senhora de tudo
eu,
que não sou
senhora de nada
dezanove.dezembro.doismileoito
que faço quando tudo arde?
sá de miranda, 1481-1558
eu,
inquisidor,
única esperança
de remissão,
ardo nas chamas da salvação divina.
eu,
inquisidor,
convoco o homem
o herege pertinaz,
posto a tormento no suplício
vê nascer a verdadeira fé
em cima do potro ou nas cordas do polé
essa criança que ofende
o pai
reacende as brasas do amor celeste
eu,
inquisidor,
nada vejo:
nem sonhos,
nem palavras,
nem a carne rosácea que perante mim se disforma
vejo a alma
o pecado e o vício
é este o meu santo ofício.
eu,
inquisidor,
queimo as palavras, os sonhos,
a carne cinzenta que perante mim se reforma
e, quando tudo arde,
sou eu sublime
sou eu santidade.
segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
palavras
palavras como:
família, amigos,
lareira, sofá ou almofada,
e muita conversa fiada.
sorrisos, gargalhadas,
abraços despenteados,
e lágrimas pelo meio.
livros para ler,
filmes para ver,
saudades para matar,
novidades para contar.
bolo-rei e de chocolate,
queijo da serra,
amêndoas e nozes,
sonhos e filhoses.
carinho para dar,
copos para brindar…
e beber.
saúde!
paz, poesia,
presentes, partilha.
amor.
luz.
que cada palavra
seja uma bênção,
um sentimento.
tudo,
num momento
que dura sempre.
vinteedois.dezembro.doismileoito
photo grafia XIV
"se ao menos a gente pudesse viver com as coisas mais simples em vez de recordar as complicadas"
quarta-feira, 17 de dezembro de 2008
vontade de ti
António Ferreira, 1528-1569
sobre o amor não ser eterno.
É devolver o que se sente
ou se pensa que sente,
já sem certeza de nada,
e guardar apenas a memória
de um mundo enganado de
E aquele a quem se ama,
que não escondo nem calo.
Mas entretanto,
a medo escrevo, a medo vivo e falo.
quinta-feira, 11 de dezembro de 2008
primeiro soneto
umas vezes sou vida insatisfeita,
sonho, desejo, livre fantasia
que numa confortável atrofia
assume esta vida como perfeita
outras vezes arrisco e vou a jogo
salto sem rede, vontade e acção
voo e caio, ergo-me ou não,
enfrento o mar, o vento e o fogo
há duas de mim em conflito aberto
por tudo aquilo que desejo e sinto
navegando longe ou escondidas perto,
nem lhes digo a verdade nem lhes minto,
atracção ao sonho e medo ao incerto
confundem alma, razão e instinto.
cinco.outubro.doismileoito
quinta-feira, 27 de novembro de 2008
photo grafia XIII
m. artmaker
novembro.doismileoito
the patriarch
a context in which I’m found
one framed photograph in shades of black and white
grey hair gently divided by a thin comb
wide opened arms
caring eyes, deep and wise, looking after me
feeding the present
heavy, holy like, lines across a familiar face
meandering map roads
a big cold stone where I sit and watch the trees
voids that hurt so
a learnt by heart book of incredible stories
a newborn hope
unspoken thoughts in a glance shared with others
the witnesses of my life
a root, a roof, a race. a sea world wide long
breaking upon the shore
unified as an infantry army, protective as the wolf’s pack
a gang that will always take me,
one collective soul and one state of mind
divided in many parts
this is my name, this is my ground
the life’s concept to which I’m bound
quinta-feira, 20 de novembro de 2008
I am
I remain cold, sad and alone…
I am a stone.
and then I see your face, and my soul too
I become all that I can be…
I am the sea.
terça-feira, 18 de novembro de 2008
homenagem aos homens de laranja
são politicamente correctos. anárquicos e insurrectos. anjos pecaminosos, verdadeiros e mentirosos. são lindos e profundos, o melhor de vários mundos. mestres na sua arte reconhecidos em qualquer parte.
são amarelos, vermelhos, pretos e brancos. são só dois, e já são tantos! são futuro, mas sem passado. são assim e são assado. são vencedores e vencidos, reticentes destemidos. São novidades e heranças, são adultos e crianças. são homens são mulheres... não. mulheres é que não!
são simples e complicados. carrancudos e bem-humorados. são iguais e são diferentes. atrevidos e prudentes, sensíveis e resistentes. são tolos e são sérios, atentos e aéreos. discretos, espampanantes, inteligentes, ignorantes, geniais, brilhantes!
são cabeça, alma e coração! são ideia em acção! são aquilo que se vê… com muita vitamina cê.
outubro.doismilesete
sábado, 15 de novembro de 2008
something
a feeling I like, a presence I miss…
is it good or is it bad? real or just in my mind?
is it by nature a secret or something I should find?
something long expected arrived finally…
or is it something else entirely?
I am sure there is something there thought,
(and something important it must be)
because as I was thinking of you
there you were… thinking of me.
fifteenth.november.twothousandandeight
quarta-feira, 12 de novembro de 2008
segunda-feira, 10 de novembro de 2008
sonhei contigo
sábado, 1 de novembro de 2008
bilhete
sexta-feira, 31 de outubro de 2008
photo grafia XI
outubro.doismileoito
sexta-feira, 24 de outubro de 2008
carta de um pai a um filho
sexta-feira, 17 de outubro de 2008
homens que são como lugares mal situados
quarta-feira, 15 de outubro de 2008
sexta-feira, 10 de outubro de 2008
acerca do mar: diálogo entre luís miguel nava e cesare pavese
o mar que parece azeite
quinta-feira, 9 de outubro de 2008
photo grafia IX
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
segundo soneto
hoje o outono entrou-me pela alma.
sentia um vazio que'ele encontrou,
com vagar, encolheu-se e ali ficou
abandonando-se'em silêncio e calma.
sei agora que não volta a sair…
encheu o vazio e'o resto também.
eu sou sua, mas ele, de ninguém
o outono que em mim se veio fundir.
encheu-me'o corpo de cinza, de frio,
de falta, de dúvida, de desejo…
melhor assim que sentir o vazio,
eu queria mais... um sorriso, um beijo
e'ao querer, mais fundo em mim o envio
este amigo que está onde o não vejo.
terça-feira, 7 de outubro de 2008
cedo
quarta-feira, 1 de outubro de 2008
traduções na brincadeira II
o original:
"you are my sister"
you are my sister, we were born
so innocent, so full of need
there were times we were friends but times I was so cruel
each night I'd ask for you to watch me as I sleep
I was so afraid of the night
you seemed to move through the places that I feared
you lived inside my world so softly
protected only by the kindness of your nature
you are my sister
and I love you
may all of your dreams come true
we felt so differently then
so similar over the years
the way we laugh the way we experience pain
so many memories
but there's nothing left to gain from remembering
faces and worlds that no one else will ever know
you are my sister
and I love you
may all of your dreams come true
I want this for you they're gonna come true
a tradução:
"és a minha mana"
és minha mana, duas sementes, tão ingénuas e carentes.
sempre amigas mas às vezes eu fugia,
e de noite tu velavas e eu dormia.
eu tinha tanto medo do escuro,
mas tu protegias-me como um muro,
e habitavas o meu mundo com a tua suavidade,
escudada apenas pela graça e a bondade.
és a minha mana e eu amo-te imenso,
a tua felicidade é tudo o que sinto e penso.
em tempos, diferentes como o sol e a lua,
hoje a imagem que me olha no espelho é a tua.
o que nos fazia rir e o que nos fazia chorar…
tantas recordações, que não vale a pena lembrar,
rostos e mundos onde mais ninguém pode entrar.
és a minha mana e eu amo-te de verdade,
e desejo que os teus sonhos se tornem realidade.
terça-feira, 30 de setembro de 2008
segunda-feira, 29 de setembro de 2008
ethos
- yes… well… she lacks ethos - he answered.
“fine, I’m all about ethos. and by ethos I mean - without having to look it up - heart, essence, core, character, feeling and soul”. it all whirled through my head, and I looked at him as he kipped his eyes on her beautiful ethos free face.
sexta-feira, 26 de setembro de 2008
beiral
quinta-feira, 18 de setembro de 2008
o gafanhoto do sorriso maroto
um lindo gafanhoto,
bochechas verde-cinza
e um sorriso maroto.
este lindo bicharoco
(de nome Joaquim),
vive por baixo de um ramo
de cheiroso alecrim.
o que faz do Joaquim
um bicho especial
é ser sempre tão alegre,
simpático e jovial.
um dia, alguém lhe perguntou:
“oh Joaquim, porque és tão feliz?”
e ele a sorrir respondeu:
“porque o sol brilha nos teus olhos no momento em que sorris!”
texto b. pecorabuona, março de 2008
quarta-feira, 10 de setembro de 2008
o mar
espero a chegada do mar.
segunda-feira, 8 de setembro de 2008
a história do avô que nasceu na selva amazónica
De mansinho, quase sem fazer barulho nenhum, o avô chegou e pousou-lhe a mão no ombro.
– Estás bem, querido? Queres alguma coisa? – perguntou.
– Estou bem avô. – Respondeu o menino que falava muito bem. – Estou só caidito…
O avô enterneceu-se. Pegou no menino ao colo, deu-lhe um abraço apertado e um beijinho na bochechinha corada e quente dos restitos da febre.
– Anda cá. Vou contar-te uma história. Uma história fantástica!
O avô sentou-se no cadeirão, pertinho da lareira e o menino aconchegou-se bem no seu colo, com as pontinhas dos pés fez deslizar as pantufas dos calcanhares e enterrou os pés entre a perna do avô e a almofada. Depois abriu muito os olhitos e ficou à espera.
– Vou contar-te a história da minha infância. Tu não sabes, mas eu nasci no meio de uma floresta.
– Numa floresta, avô? – perguntou a criança subitamente iluminada de curiosidade.
– Isso mesmo, filho. Numa floresta. – respondeu o avô, muito solene. – E não foi numa floresta qualquer; foi na floresta amazónica.
– A sério avô? – diz o menino fascinado.
– A sério! Nasci na floresta amazónica muito, muito longe daqui, mesmo aos pés de uma árvore, acho que era um eucalipto ou então uma goiaba brava. Já foi há muito tempo.
– Oh avô, – pergunta o menino – Na Amazónia há eucaliptos?
– Claro que sim! – responde prontamente o avô. – A floresta amazónica é o último sítio do mundo onde existem todas as espécies de árvores.
– Ahhhh! – exclama acriança – Deve ser muito grande!
– Pois é! – continua o avô – Grande e bonito! E foi aí mesmo que eu nasci ali. Junto à raiz de uma árvore, mesmo ao lado de um ninho de cobras venenosas.
– Venenosas, avô? – pergunta o menino, tremendo com um arrepio e apertando o braço do avô entre as suas mãozitas pequeninas – E não tiveste medo?
– Não, não tive medo porque houve uma tribo de índios da Amazónia que tratou de mim, e me criou até eu ser grande.
– Oh avô, – interrompe a criança, – o que é uma tribo?
– Boa pergunta! – sorri o avô. – Uma tribo é um grupo de pessoas que vivem mais ou menos juntas, e que trabalham e partilham as coisas que têm e se encarregam do bem-estar umas das outras. – tenta explicar.
– Como uma família? – pergunta o menino.
– Exactamente! – responde o avô.
– E tu quando eras pequenino viveste com essa família chamada Tribo? Na Amazónia?
– Isso mesmo. Durante muitos anos, vivi com os índios da floresta. Aprendi a caçar e a cozinhar a carne, e a lutar com animais selvagens quando era preciso proteger o nosso espaço.
– E alguma vez lutaste com um animal selvagem avô? – quis saber a criança, rendida de fascínio e antecipação.
– Oh sim! Muitas vezes! – contou o avô, fechando os olhos como quem está a lembrar. – Uma vez lutei com um leão, mas não o magoei muito, só o suficiente para ele se ir embora. Porque os índios da floresta amazónica ensinaram-me que devemos ser amigos de todos os animais.
– Mesmo dos maus? – pergunta o neto.
– Claro, filhinho. – diz o avô – Aqueles animais a que chamas de maus, só são maus às vezes, quando têm fome ou se sentem ameaçados, percebes?
– Sim, avô.
– Houve outra vez que uma enormíssima cobra vinha por entre os arbustos junto à terra, decidida a comer um passarito que costumava vir cantar de manhã, perto da minha cabana.
– E depois?
– Depois fiquei zangado porque gostava muito do passarito e não queria que nenhum animal lhe fizesse mal. Tive de lá ir a correr, agarrei na cobra com as duas mãos e zás, dei-lhe uma dentada!
– A sério, avô? – pergunta o menino.
– Mesmo a sério! – assegura o avô – uma enorme dentada na pele escamosa das costas.
– E não te fez impressão?
– Fez um bocadinho, é verdade. As cobras são muito frias e viscosas. Há outros animais mais simpáticos e agradáveis de tocar… como o meu amigo elefante bebé.
– Tu tinhas um amigo elefante bebé?
– Tinha pois. Ficamos amigos no dia em que eu o salvei de uma matilha de hipopótamos.
– Uma matilha de hipopótamos – pergunta o menino assombrado.
– Isso mesmo! – explica o avô – Vinham todos por ali abaixo a correr e iam passar por cima do pobre elefante bebé.
– E tu salvaste-o? – diz a criança num misto de admiração e orgulho. – Tu sozinho!
– Eu mesmo! – responde o avô todo inchado. – Desde esse dia fomos os melhores amigos. Ele levava-me a passear sentado no seu pescoço, sacudia-me as moscas com as grandes orelhas e eu fazia-lhe festinhas no pêlo macio. Andávamos juntos para todo o lado.
– Deve ser bom ter um amigo elefante! – exclama o menino.
– É sim senhor – concorda o avô. – É muito bom. Não há nada no mundo tão bom como os amigos!
– Tinhas mais amigos, avô? – pergunta o neto, muito interessado.
– Oh sim! Tinha muitos amigos. Mas há sempre alguns especiais. Aqueles que estão sempre a nosso lado, que nos conhecem os segredos e nos aceitam assim, tal e qual como nós somos. Desses amigos que são quase irmãos eu tinha dois. Um era o elefante, que tu já conheces, o outro era um cão-crodilo.
– Um cão-crodilo? – pergunta a criança incrédula.
– Sim, um cão-crodilo. É uma espécie muito rara. É como um crocodilo mas especialmente fiel e dedicado aos amigos. E queres saber o que era mais engraçado? – Perguntou o avô.
– Quero! – respondeu prontamente o neto.
– Ele abanava a cauda para dizer “Olá” de cada vez que nos encontrávamos!
O menino atirou a cabeça para trás deu uma daquelas gargalhadas límpidas e luminosas que só as crianças sabem dar. Abraçou o avô pelo pescoço, e disse-lhe quase ao ouvido:
– Avô, tu contas as melhores histórias do mundo!
O avô também sorriu e devolveu o abraço.
– Vá, agora vamos ao lanche que a mamã deve estar quase a chegar para te levar para casa.
E lá foram os dois, recordar detalhes da história e acrescentar outros novos, entre dentadas de pão de lenha e goles de leite com chocolate.
Mais tarde, como combinado, a mãe chegou. Deliciada viu o filho, sorridente e de olhos brilhantes, correr para si de braços abertos.
– Mãe! – diz a criança – Hoje aprendi uma coisa muito importante! Queres que te conte?
– Claro, amor! – responde a mãe – Quero que me contes tudo!
– Sabes, todas as pessoas têm amigos. E alguns desses amigos são muito especiais. – Explica o menino, abanando a cabeça para melhor se fazer entender. – Conversam muito e quando estão tristes dão as mãos e quando estão contentes brincam juntos. – Continua a criança fazendo gestos com as mãozitas e abrindo muito os olhos. – Percebes?
– Sim, amor. Claro que percebo. – Responde a mãe. – E tu também hás-de ter amigos assim especiais, meu querido.
– Eu já tenho, mãe! – Diz o menino, virando a cabecita e sorrindo para o avô, que lhe pisca o olho em resposta.
quinta-feira, 4 de setembro de 2008
quarta-feira, 3 de setembro de 2008
lembras-te?
deste-me a mão, lembras-te?
sexta-feira, 29 de agosto de 2008
photo grafia VI
junho de 2008
quinta-feira, 28 de agosto de 2008
chuva
pensei em ti.
será que o céu também chora?
quarta-feira, 27 de agosto de 2008
segunda-feira, 25 de agosto de 2008
carta a uma amiga
se soubesse o que te dizer, dir-te-ia que sou nut, a deusa, e que do meu corpo farei um escudo impenetrável entre ti e o caos, que sou belorofonte, o herói, e que banirei todos os teus monstros e quimeras, que sou parcival, o cavaleiro, e que expulsarei do teu mundo todo o mal, o sofrimento e a escuridão… mas na verdade sou fraca, pequena e incapaz seja do que for.
se soubesse o que te dizer, dir-te-ia as palavras serenas que precisas de ouvir, acalmaria a ansiedade, afastaria a angústia, inventaria a esperança. choraria em silêncio as tuas lágrimas, acordaria gelada com os teus pesadelos, sufocaria na opressão do teu peito, suportaria a tua solidão… mas não sei o que te dizer... não sei o que fazer.
dir-te-ei que o meu carinho e amizade por ti são absolutos e incondicionais. dir-te-ei que te adoro e que estou aqui.
agosto de 2008
sexta-feira, 22 de agosto de 2008
quinta-feira, 21 de agosto de 2008
terça-feira, 19 de agosto de 2008
portugal nos jogos olímpicos de pequim
E somos coitadinhos porque não sabemos estar à altura das situações, nem ter a contenção e dignidade que cada momento merece. Somos coitadinhos porque somos pobres de espírito e nos lançamos ao pescoço uns dos outros ao menor sinal de deslize, desatamos atribuir culpas ao primeiro sintoma de fracasso, e nos achamos capazes de criticar e fazer juízos de valor sobre o que não conhecemos nem compreendemos.
Os últimos dias, e sobretudo as últimas 24 horas, têm sido profícuos em trocas de mimos entre “portugueses descontentes”, os atletas da Missão Portuguesa e o próprio Comité Olímpico de Portugal, tudo patrocinado, está bom de ver, pela nossa sempre oportuna Comunicação Social.
Os “portugueses descontentes” mostram-se sobretudo indignados pela noção generalizada de má prestação dos seus atletas, agravada pelos comentários pouco felizes que são proferidos no fim das provas. E, afinal de contas, isto sai tudo do nosso bolso. Em primeiro lugar: não, não sai. Uma parte significativa do orçamento sai dos bolsos dos patrocinadores oficiais, e dos oficiosos; que são sempre (e sempre serão) os paizinhos dos atletas, eles próprios e restante família. Para quem não sabe, um atleta olímpico demora uma vida a criar e não os 4 ou 5 anos de calendário que cabem nos projectos dos comités olímpicos de cada país e que antecedem os grandes eventos. E para que não haja dúvidas de quem pagou o quê, todos esses planos de actividades, orçamentos e relatórios são públicos, e podem ser consultados no site oficial do C.O.P. Pelo contrário, o esforço, motivação e sacrifícios são totalmente da responsabilidade dos atletas e respectivas famílias, que aí os “portugueses” que contribuem são muito poucos. Os restantes entram agora em acção a exigir resultados de excelência de alguém cuja existência desconheciam até ontem ter competido numa modalidade que não sabem muito bem o que é…
Porque desporto que é desporto em Portugal é o futebol e tudo o que ele acarreta de arguidos e processos em tribunal, madeixas de cabelo e tatuagens nas costas, frases feitas e fogo-de-artifício, parangonas de jornal e debates televisivos de baixo nível. Não temos uma cultura desportiva de modalidades olímpicas, e quanto mais depressa o assumirmos, tanto melhor para todos. Não somos sequer um povo sensível aos fundamentos do olimpismo. Não faremos nunca sombra a equipas de atletas oriundos de países que dedicam não só esforços financeiros e políticos, mas também todos os recursos necessários para que, no estádio olímpico e perante os olhos do mundo, possam elevar os seus atletas – e, por arrasto, todo o seu povo – ao nível de heróis da antiguidade. Os nossos heróis, aqueles que temos por vício achar que foi o país que pariu e de cujas vitórias também chove algum mérito para os restantes “portugueses”, são heróis única e exclusivamente por mérito próprio. São absolutamente excepcionais. Não são nem nunca foram a norma no nosso país.
É típico do português – ou talvez da natureza humana – ser-se muito exigente com os outros enquanto se vai guardando uma tolerância evangélica para si próprio. E os senhores jornalistas façam um favor à nação: deixem de entrevistar os atletas nas horas que se seguem às provas. Só quem nunca competiu é que pode pensar que resta uma pinga de sangue a irrigar o cérebro daqueles rapazes e raparigas depois do esforço físico, mental e emocional por que passam. É verdade que o Marco Fortes – jovem de 25 anos, estudante do ensino secundário, atleta do Sporting Clube de Portugal e participante na prova de lançamento do peso – foi profundamente infeliz ao tentar ser engraçadinho nas suas declarações à comunicação social. Foi um momento mau. E lá estava o bom repórter a registar para a posteridade e retransmitir até à náusea o segundo mau momento do atleta naquele dia. Abençoados de nós que erramos escabrosamente na vida sem duas dúzias de repórteres e vinte milhões de olhos em cima.
Muitos dos elementos da equipa olímpica foram deselegantes nas suas declarações. Inclusivamente o Presidente do Comité Olímpico de Portugal que, querendo controlar os comentários dos atletas, devia ter providenciado atempadamente para toda a delegação, a preparação necessária para tourear a comunicação social – sessão de formação a que deve também comparecer – ou, em última análise, mandá-los calar quando achasse que se estavam a ‘esticar’. O que ele não devia fazer era vir, ele próprio, para a comunicação social, acusá-los de dar desculpas esfarrapadas, falta de brio e profissionalismo. Como raio é que se acusa de falta de profissionalismo atletas que estão a representar um país que não lhes dá as condições para pôr a cantar um cego, quanto mais para se profissionalizarem?
A vergonha é que um atleta com a estatura do Gustavo Lima diga que não pode mais sujeitar-se à vida que leva como atleta e sinta que não valeu a pena. É uma vergonha, mas não é para ele. Pergunto quantos dos “portugueses descontentes” teriam chegado onde ele chegou. Devemos ficar tristes que ele se sinta assim, sobretudo porque não nos é possível compreender ou pôr em causa o que ele sente. O esforço foi seu, o desgosto é seu, e o orgulho pela excelente classificação que teve é também, obrigatoriamente, só seu.
Outra excelente prestação desportiva foi a da Vanessa Fernandes. Foi uma alegria para todos, não há dúvidas. Tivesse ela sido diferente dos demais, tivesse ela passado ao largo da ‘polémica’ e dito uma perfeita banalidade vazia de conteúdo do tipo “por um minuto/centímetro/ponto se ganha e se perde” ou “o desporto é assim mesmo”, teria saído destas olimpíadas como uma verdadeira campeã.
Num dos documentos oficiais do C.O.P. disponíveis on-line podemos ler que “No Desporto há muitas incógnitas e variáveis sendo curta a distância da glória ao fracasso”. O que não diz é que a dignidade não deve nem pode ser uma incógnita ou uma variável, mas antes a única constante, na vitória como na derrota. É preciso ter consciência que a esmagadora maioria dos atletas presentes em qualquer competição dos Jogos Olímpicos vai regressar a casa sem medalhas no bolso. É preciso ter consciência que para a esmagadora maioria de nós nenhum destes estrondosos fracassos irá algum dia acontecer, porque não temos qualidade para tal. É preciso ter consciência de que eles falharam, mas nós falhámos mais.
segunda-feira, 11 de agosto de 2008
a história da girafa da cor do céu
– Mãe… – diz o filho baixinho.
– Sim, amor? – responde a mãe.
– O pôr-do-sol é bonito não é? – pergunta o filho.
– É sim, amor. É muito bonito. – diz a mãe. – Sabes, quando eu era pequenina, assim da tua idade, a avó contou-me uma história sobre um pôr-do-sol.
– Uma história do pôr-do-sol? – diz o menino, curioso.
– Sim, uma história sobre um pôr-do-sol. Um pôr-do-sol num sítio muito longe daqui, onde a terra é castanha e o céu é laranja e vermelho. A avó contou que é tão bonito, tão bonito, que quem o vê nunca mais esquece aquelas cores, aqueles sons e aqueles cheiros.
– E que mais te contou avó? – pergunta a criança.
– Contou que um dia ela estava sentada na savana…
– Mamã… – interrompe o menino, – O que é uma savana?
– A savana é uma terra muito grande, sem montes nem montanhas, que se estende por todos os lados para onde podemos olhar. A terra é amarelada e só tem alguns arbustos e umas poucas árvores para fazer sombra e pintalgar de verde a paisagem.
– Está bem. – diz o filho satisfeito com a explicação.
– Então… – continua a mãe. – Estava a avó sentada na savana e à medida que chegava o fim da tarde, como agora, viu o sol a pôr-se. A terra foi ficando mais escura, mais escura, até parecer quase negra. O céu também escurecia e ficava da cor do fogo; primeiro amarelo, depois laranja e por fim cada vez mais vermelho. O sol como uma grande bola redonda muito brilhante e quase branca, foi descendo, descendo até desaparecer numa toca muito longe escondida no horizonte.
– Mamã… – interrompe o menino novamente, – O que é o horizonte?
– O horizonte é aquela linha que vemos lá ao fundo, onde a terra e o céu se tocam, – explica a mãe enquanto aponta, – Vês além?
– Vejo mamã. – responde a criança. – Deve ser um pôr-do-sol mesmo muito bonito!
– E é mesmo, filhinho. Muito, muito bonito.
– E depois, o que é que aconteceu mais? –
– Depois, quando o sol já estava meio escondido na terra, lá ao fundinho, – continuou a mãe – a avó viu a passar uma girafa…
– Uma girafa? – pergunta a criança.
– Uma girafa! – responde a mãe.
– Sabes qual é a melhor coisa das girafas, mamã? – pergunta o filho.
– Diz lá amor.
– É que as girafas conseguem limpar os ouvidos com a língua!
– Isso é muito interessante, filho!
– E o que é que aconteceu depois?
– Depois a girafa parou a conversar com a avó, porque a avó sabe falar a língua de todos os animais, – continua a mãe.
– De verdade?
– De verdade!
– Mesmo assim… falar, falar… como nós estamos a falar? – certificou-se a criança enquanto apontava para a mãe e para si próprio, ao mesmo tempo que dizia que sim com a cabeça com os olhinhos muito arregalados.
– Tal e qual! – assegurou a mãe.
– E como se chamava a girafa amiga da avó? – quis saber o menino.
– A girafa chamava-se Gaia. Era muito alta e bonita. Tinha um pescoço muito comprido, mais comprido do que qualquer outro animal, e um pelo alaranjado da cor do céu ao pôr-do-sol, com manchas castanhas da cor da terra.
– Devia ser muito bonita. – diz o filhinho.
– E era mesmo. – Responde a mãe. – A girafa chamada Gaia contou à avó que desde que era uma girafinha pequena, mal começou a esticar o pescocito para ver mais longe, queria ver para além do horizonte e descobrir para onde ia o sol quando deixava o céu e se escondia na terra. Contou que quando cresceu decidiu ir atrás desse sítio chamado horizonte, e que um dia, se despediu da família e dos amigos, e partiu numa grande viagem ao encontro do pôr-do-sol.
– E então? Encontrou-o? – diz ansiosa a criança.
– Foi exactamente o que a avó lhe perguntou. – explicou a mãe.
– E ela?
– A girafa contou que tinha viajado muitos, muitos dias. Que tinha visto muitas vezes o sol a pôr-se. E contou que quando caminhava sob as árvores da floresta, nunca perdia o sol de vista por entre os ramos altos e cheios de folhas verdes. Então viu o sol a atravessar as árvores em raios de luz que faziam brilhar mil e um tons de verde. Depois o pôr-do-sol vinha de mansinho, e a floresta escurecia debaixo de um cobertor de folhas, enquanto o céu passava de azul para um arroxeado quase mágico e um sol mais fraquinho se ia escondendo numa cama de folhagem, lá longe no horizonte.
– Que lindo, mamã! – exclama o menino.
– Pois é, amor. – diz a mãe. – A girafa chamada Gaia contou ainda que viajou por um grande deserto. Aí não havia árvores. Para onde olhava só via montanhas de areia branca e mal podia olhar para o sol, porque era muito claro e forte e magoava-lhe o corpo e os olhos. No deserto, quando o sol se punha o céu reflectia as cores do deserto em nuvens de algodão amarelo-torrado, e desaparecia aos poucos atrás de uma duna de areia longínqua.
– Amarelo-torrado da cor das torradas com manteiga? – pergunta o filho.
– Exactamente. – diz a mãe. – A girafa contou à avó que ao atravessar a savana pôde, de vez em quando, abrigar-se à sombra de uma ou outra árvore. O sol não era tão forte como no deserto e corria uma brisa fresca que a girafa chamada Gaia não sabia de onde vinha, mas que sabia muito bem. E aí era tal e qual como a avó contou: deixavam de se perceber as cores das árvores e da terra, ficavam só os contornos a negro que se recortavam num céu mais vermelho onde o sol se escondia lá muito longe, junto da linha do horizonte.
– E foi aí que a girafa encontrou a avó? – perguntou o menino.
– Não, amor, ainda não foi aí. – explicou a mãe. – Isso foi depois.
– Então?
– A girafa continuou a sua viagem até que um dia, a terra acabou e a girafa de nome Gaia chegou às margens do mar.
– Chegou à praia?
– Sim filho chegou à praia.
– E depois?
– A girafa ficou maravilhada com a imensidão do oceano e com o som que faziam as ondas a enrolar conchinhas na areia e ficou a ver o sol a pôr-se no mar. E então, entre o azul do céu e o azul do mar desceu um sol vermelho como o fogo que parecia mergulhar nas águas e incendiá-las também com a sua cor.
– Oh mãe… – diz a criança.
– Diz filhote. – responde a mãe.
– As girafas sabem nadar? – pergunta o menino.
– Não amor. A girafa Gaia não pôde continuar a sua viagem. Teve de voltar para trás, e foi na sua viagem de regresso que encontrou e parou a conversar com a avó. – explicou a mãe.
– Ah. E ela não ficou triste?
– A avó também perguntou o mesmo e sabes o que ela respondeu? – perguntou a mãe.
– Não. – diz o filho. – O que foi?
– Ela respondeu que a viagem tinha sido maravilhosa e que tinha visto coisas muito bonitas que nunca podia imaginar que existiam. Sabia agora que nunca podia chegar ao horizonte e ao sol porque eles viajavam com ela sempre, sempre mais além. A girafa contou à avó que se sentia muito feliz pelas histórias que tinha para contar aos seus amigos. A avó disse-lhe que também estava muito feliz por se terem conhecido, e foi assim que se despediram. A girafa continuou o seu caminho e a avó ficou a ver o pôr-do-sol.
– Que bonita história mãe! – diz o menino.
– Pois é filho. – concorda a mãe.
– Eu também gostava de ir até ao horizonte… Achas que posso?
– Claro meu amor! Um destes dias falaremos sobre isso…
agosto de 2008