É consabido que as mulheres portuguesas têm pêlo na venta.
Desgraçadamente, para algumas de nós, esta condição não é meramente metafórica,
de maneiras que somos frequentemente obrigadas a ‘fazer o buço’. Isto que
dizemos que fazemos e a forma como o dizemos é que sim, é uma coisa em tudo
metafórica. ‘Fazer o buço’ é uma expressão retórica, parvamente bacoca, que
procura não descrever o acto de arrancar, pela raiz, todo e qualquer pêlo que
se nos cresça entre os lábios e o nariz, quase todos de uma assentada, através
da aplicação e vigorosa remoção de um pedaço jeitoso de cera quente.
Estas coisas a que voluntariamente nos submetemos parecem,
nuns dias mais que noutros, pouco melhores que pura barbárie e, quase todos os
dias, simples estupidez. A verdade é que nos empurramos para tamanhas
intervenções, por razões diferentes. Algumas simples e francas e, digamos,
estéticas. Outras mais profundas e próximas da psicose e por isso, mais
difíceis de erradicar, com ou sem cera.
Quando era miúda, havia um retrato de uma antepassada que me
ilustrava as voltas da infância. Era uma daquelas imagens à antiga, de pose
parada e sem sorriso, a preto, branco e cinza, de idade avançada, olhos
tristes, cabelo dividido a meio e puxo na nuca. E, mesmo ao centro da composição,
um bigode que fazia invocar a memória dos generais da Primeira República. Neste
contexto visual falar em ‘buço’ seria ridículo, ao mesmo tempo que pensar na
minha velhice, se torna pouco animador. E depois vieram os primeiros anos de
catequese, acompanhados por uma senhora em tudo semelhante aos trolls dos
contos infantis; unhas sempre sujas, pouca paciência para meninas que pensavam
que a Nossa Senhora era uma princesa, e uma mancha cerrada de bigode a
emoldurar um sorriso inexistente numa boca duvidosamente saudável.
Ficou-se-me esta crença de casar o bigode com o susto e hoje
pouco ou nada haverá a fazer. Escrevo porque só agora percebi as larguras de
paranóia entrançadas numa coisa que, de contrário, podia ser quase corriqueira.
Entrançadas é, talvez, uma palavra mal escolhida mas o que se passa é que não
tenho cera em casa e nem sempre calha tirar tempo e sair e ir a qualquer lado e
esperar que lá estejam só à minha espera e mais nada.
Tudo começou com a ideia peregrina de comprar um creme
descolorante, uma maravilha da ciência que estaria por descobrir nos tempos em
que o retrato da minha antepassada foi tirado, emoldurado e pendurado na sala,
no centro da parede, para eu e a posteridade a podermos ver vezes e vezes sem
conta. Comprei o creme e trouxe-o para casa. Li as instruções e fiz tudo muito
vagarosa e direitamente. Depois dir-se-ia que tinha ensopado a pele com
aguardente para lhe chegar um fósforo aceso. A sensação de ter todo o lábio a
arder não tem como ser explicada. Não sei se os vapores entraram nos olhos, mas
houve lágrimas a fugir e cheguei a pensar que ficaria com o cabelo todo loiro,
assim só, com o creme do bigode a ser inspirado pelo nariz e a sair nos poros
por todo o lado. Juro que se estivesse numa sala fechada e às escuras, se conseguiria
ver o meu ‘buço’ a latejar de fogo e de dor. Posto isto, e passados uns poucos
segundos, limpei o creme e olhei para mim ao espelho. Tinha, efectivamente, os
pelinhos descolorados, amarelecidos e brilhantes, sobre a pele encarniçada e o
lábio desmesuradamente inchado.
Os sintomas de verdadeiro recalcamento chegaram logo a
seguir, quando dei conta que o processo não tinha resultado em nenhum sossego.
A capa incolor que fingia de disfarce não tinha efeito em mim. Eu sabia que
eles lá estavam. E estava a incomodar-me que eles lá estivessem. Por isso, tive
de os ir tirar, com cera e pela raiz. O tempo passa e o lábio ainda está a
curar, com vagar e algum ressentimento. O que me preocupa são as outras coisas.
As que ficam toda a vida penduradas no centro das paredes da memória e que, por
mais que o tempo passe, não conseguimos curar..
raquel patriarca | catorze.outubro.doismiletreze
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Minha cara: penso que estás ligeiramente enganada. Digo-te isto, como mulher do Minho, já que o meu conhecimento empírico reclama o "pelo na venta" para coisa minhota... o resto das mulheres de Portugal - qt mais no mato, mais significativo - são portadoras de um buço que não vai lá com descolorações.... mas o pêlo na venta - e fico feliz por achares que era isso - é algo muito mais extraordinário, comum entre as idosas minhotas - é uma espécie de barbicha, que acompanha o buço!!SIIIMMMM barbicha!!Olhó buço como pelo na venta!!! Ó menina!: nunca passaste a mão pelo queixo e sentiste um ou dois destes a crescer?? mágoa minha - é do minho!!!
ResponderEliminar:D
Joana Miguel
beijoooosssss